“Meu órgão
de morrer me predomina.
Não
posso mais saber quando amanheço ontem”
Manoel
de Barros em: O livro das ignorãças
O
meu mundo é pequeno. Tenho um rio que passa no meu quintal e escorrega pro mar,
algumas mangueiras rechonchudas na varanda da minha cidade e muito pouca
sabedoria: no máximo umas 400 palavras, mesmo assim em desacordo sintaxial.
O que me queixo, mesmo, é de ser apreciador de
gente.
Aí
comecei a soletrar a poesia de Manoel de Barros como quem exagera no azul das pessoas.
Descobri que todas as coisas do mundo se veem no peso da poesia, inclusive o
que mastigo e engulo. Há aqueles que insistem em dizer que a poesia não serve pra nada; que
toda poesia é conversa pra puxar descarga, e que nada tem a ver com ciência. Há outros
que insistem em dizer que, não fosse a poesia, Adão e Eva seriam verdades; que
o homem veio da evolução das espécies a partir de uma centopéia de dentro do
DNA mendeliano, e não do pó... ou do barro. Este-um veio do barro, daí o nome:
Manoel de Barros.
Manoel me convenceu: Adão e Eva existiram e o homem veio, ou do pó... ou do barro...
ou ainda: do pantanal. E mais: que o céu era de Ícaro e não de Galileu. Foi
de tanto lê-lo que me convenci. A partir daí vi outro mundo. Vi a gaita de Bob
Dylan sonorizando um tamborim; vi pedras no caminho de Drummond até minhas
retinas cansarem; vi as cores de Romero Brito numa curva do Araguaia e vi os
passarinhos de Quintana passarando porriba de mim. Quintana é azul celeste e Manoel
de Barros azul escuro. Ele acabou de se tingir em azul celeste para se igualar
a Quintana e entrar no céu.
Todos são do meu tempo. O meu tempo é o deles, por isso me arvoro a ler Manoel de Barros como quem lê a mão do tempo para decifrar de que infância pernoito. A partir dele aprendi a entender um punhado de pessoas:
Jesse Teixeira certa vez me disse: “Não tem
altura o silencio das pedras”;
José Camargo outorgou: “as coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis”; Rami-Porta sublinhou: “ao lado de um primal deixe um erudito”;
Diego González sapecou: “ocupo muito de mim com o meu desconhecer”;
Raul Coimbra me confessou: “as coisas que não existem são as mais bonitas”;
Paula Ugalde navegou: “minha canoa é leve como um selo”;
Martins disse-me: " o escuro enfraquece meu olho".
José Camargo outorgou: “as coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis”; Rami-Porta sublinhou: “ao lado de um primal deixe um erudito”;
Diego González sapecou: “ocupo muito de mim com o meu desconhecer”;
Raul Coimbra me confessou: “as coisas que não existem são as mais bonitas”;
Paula Ugalde navegou: “minha canoa é leve como um selo”;
Martins disse-me: " o escuro enfraquece meu olho".
São todos do meu tempo e todos têm nas mãos leves a poesia de Manoel de Barros sincopada em gestos nobres.
Muitos outros poetas de mãos leves e gestos me abriram portas, mas me escasseou Manoel neles. Não sei por que. Perdoem-me eles, sou vazio por fora de frases à Manoel de Barros. Quem sabe no rumo da copa das árvores eu me nivele e solte mais enfraseamento, tipo assim, como quem liberta um Curió cantador.
Portanto...
Se
Manoel de Barros morreu-de-ter-existido foi para continuarmos enxergando, pela
janela, a fronteira do céu, e pelas portas abertas do mundo o passeio de mãos dadas
da poesia com a ciência. De portas fechadas eu morreria, pois descobri que a poesia da
ciência é amarrar o tempo no poste e esperar que poetas acendam a luz
quando a ciência obscurecer de idéias; que exista um facho de Manoel, pois o infinito
do escuro perena no meu mundo pequeno, posto que, ao desenquanto, só sei o nada
aumentado.
Labareda, do bando de Corisco
2 comentários:
Na trincheira das palavras meu mano, voce é guerreiro com a pena na mão.
homenagem em pro-esia linda, esgrimam ao teu lado Guimarães, Bandeira, Gullar. Belíssima homenagem meu irmão.
"Este-um veio do barro, daí o nome: Manoel de Barros"(Roger Normando)
Dudu, I never forget you...
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