domingo, 16 de novembro de 2014

Manoel foi pro céu: enfraseamento



Meu órgão de morrer me predomina.
Não posso mais saber quando amanheço ontem”
Manoel de Barros em: O livro das ignorãças

O meu mundo é pequeno. Tenho um rio que passa no meu quintal e escorrega pro mar, algumas mangueiras rechonchudas na varanda da minha cidade e muito pouca sabedoria: no máximo umas 400 palavras, mesmo assim em desacordo sintaxial.  
O que me queixo, mesmo, é de ser apreciador de gente.

Aí comecei a soletrar a poesia de Manoel de Barros como quem exagera no azul das pessoas. Descobri que todas as coisas do mundo se veem no peso da poesia, inclusive o que mastigo e engulo. Há aqueles que insistem em dizer que a poesia não serve pra nada; que toda poesia é conversa pra puxar descarga, e que nada tem a ver com ciência. Há outros que insistem em dizer que, não fosse a poesia, Adão e Eva seriam verdades; que o homem veio da evolução das espécies a partir de uma centopéia de dentro do DNA mendeliano, e não do pó... ou do barro. Este-um veio do barro, daí o nome: Manoel de Barros.

Manoel me convenceu: Adão e Eva existiram e o homem veio, ou do pó... ou do barro... ou ainda: do pantanal. E mais: que o céu era de Ícaro e não de Galileu. Foi de tanto lê-lo que me convenci. A partir daí vi outro mundo. Vi a gaita de Bob Dylan sonorizando um tamborim; vi pedras no caminho de Drummond até minhas retinas cansarem; vi as cores de Romero Brito numa curva do Araguaia e vi os passarinhos de Quintana passarando porriba de mim. Quintana é azul celeste e Manoel de Barros azul escuro. Ele acabou de se tingir em azul celeste para se igualar a Quintana e entrar no céu.


Todos são do meu tempo. O meu tempo é o deles, por isso me arvoro a ler Manoel de Barros como quem lê a mão do tempo para decifrar de que infância pernoito. A partir dele aprendi a entender um punhado de pessoas:
Jesse Teixeira certa vez me disse: “Não tem altura o silencio das pedras”; 
José Camargo outorgou: “as coisas não querem mais ser vistas por pessoas razoáveis”; Rami-Porta sublinhou: “ao lado de um primal deixe um erudito”; 
Diego González sapecou: “ocupo muito de mim com o meu desconhecer”;
Raul Coimbra me confessou: “as coisas que não existem são as mais bonitas”; 
Paula Ugalde navegou: “minha canoa é leve como um selo”; 
Martins disse-me: " o escuro enfraquece meu olho".


São todos do meu tempo e todos têm nas mãos leves a poesia de Manoel de Barros sincopada em gestos nobres.


Muitos outros poetas de mãos leves e gestos me abriram portas, mas me escasseou Manoel neles. Não sei por que. Perdoem-me eles, sou vazio por fora de frases à Manoel de Barros. Quem sabe no rumo da copa das árvores eu me nivele e solte mais enfraseamento, tipo assim, como quem liberta um Curió cantador.

Portanto...


Se Manoel de Barros morreu-de-ter-existido foi para continuarmos enxergando, pela janela, a fronteira do céu, e pelas portas abertas do mundo o passeio de mãos dadas da poesia com a ciência. De portas fechadas eu morreria, pois descobri que a poesia da ciência é amarrar o tempo no poste e esperar que poetas acendam a luz quando a ciência obscurecer de idéias; que exista um facho de Manoel, pois o infinito do escuro perena no meu mundo pequeno, posto que, ao desenquanto, só sei o nada aumentado.

Labareda, do bando de Corisco

2 comentários:

Dudu Neves disse...

Na trincheira das palavras meu mano, voce é guerreiro com a pena na mão.
homenagem em pro-esia linda, esgrimam ao teu lado Guimarães, Bandeira, Gullar. Belíssima homenagem meu irmão.
"Este-um veio do barro, daí o nome: Manoel de Barros"(Roger Normando)

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Dudu, I never forget you...