Drive your work. Do not let your work drive you
Kenneth Mattox, 2008 (comunicação pessoal)
Toda vez que
avistava o livro sentia palpitação, até ter a seguinte ideia: ir ao Pantanal. Queria
- porque queria - dormir sob a batuta de uma onça pintada solta no próprio
habitat e, de certa forma, por isso, tinha inveja de seu amigo espanhol.
Comprou duas passagens
e programou a ida com seu amigo de trabalho mais Pi, o melhor guia de Corumbá. O
nome Pi era uma homenagem ao premiado filme “As aventuras de Pi”, pelo fato de
conhecer bem as onças do Pantanal. Seria aquele o último estágio de sua
inquietude - o desafio que lhe enclasurava na terra.
Já no primeiro
dia de selva encontraram pegadas do felino. Era ali o local ideal. Pi endossou.
Empunharam as baladeiras na cumeeira de uma Sucupira e esperaram a noite estrelar
e o sono afagar. O amigo, cansado, logo desmaiou e começou a roncar pesado.
Nestor havia esquecido que ele era um trovão humano e Pi avisou que onças se
tornam mais agressivas quando ouvem roncos.
Nestor mal
cochilava e logo despertava com o ronco do amigo. Ansioso, voltava a dormir. A
partir de certa hora passou a despertar não só com o ronco, mas com outro ruído
estranho. Algo rosnava e patinava no pé da árvore tentando, ora subir pelo
tronco, ora pelo galho mais baixo. Olhou para baixo e percebeu um par de
brilhos que pareciam dois vaga-lumes no meio do escurão. Era ela, assustada. Confirmou
Pi, já desperto. Viu que sem asas não tinha como incrementar um escape aéreo, portanto,
procurou se acalmar e ficar acompanhando o movimento do bicho de um lado para o
outro. Mais calmo, sacava fotos em baixa velocidade com o diafragma todo aberto. Aquele clique da Pentax K1000 já provocava alerta na fera.
Pi voltou a dormir, mas o ronco do vizinho continuava e lembrava o Guariba. Quando
aumentava o volume dos trovejos, a onça se irritava mais e forçava nova
escalada, felizmente sem sucesso. Nestor, impávido, esperava passar,
pacientemente, a noite mais longa de sua vida.
Ao amanhecer
o ronco amainou e a onça, sedenta, resolveu beber água num riacho distante dali.
Foi quando Pi determinou que descessem. Tremiam mais que bambu em vendaval. Pi usou
a trilha de segurança, uma sequencia bem definida de passos que, com cuidado e
velocidade guiaria-lhes de um marco a outro sem se perder. Assim, liderou a
fuga quase aérea, mas deixaram para trás as redes e pertences.
Em Corumbá lembrou
de sua Pentax, empunhada na rede. Programou a volta para resgatar os pertences. Agora mais
preparado e com Pi no tiracolo, chegou ao local à luz do dia. Achou seus
pertences apenas remexidos e sua K1000 intacta no cume da árvore. Voltou pra
casa satisfeito. Guardou na memória o resgate e o momento de aflição sem precisar
se deseperar.
Certo dia
realizou uma operação chamada mediastinoscopia e, inesperadamente uma
hemorragia avermelhou o campo visual. Nada enxergava e não conseguia controlar o
sangramento, pois o espaço lembrava o buraco de fechadura. Inicialmente
bateu-lhe um uma sensação de derrota, impotência, depois optou por uma manobra simples, retirada das cabeceiras de “Top
Knife”: deixar um tufo de gazes comprimindo, até parar o sangramento. A hemorragia estancou, mas teve receio de tirar o tufo, ressangrar e perder aquele inocente. Lembrou-se do safári. Deixou a
gaze comprimindo para voltar e retirar depois - dias
depois-, quando tudo estivesse mais calmo.
Labareda, do bando de Corisco
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