Depois de tanto tempo ruminando uma série de assuntos sozinha ou entre amigos, ou mesmo que em poucas palavras escritas nas redes sociais, devo antecipar que me causa certa ansiedade escrever aqui neste espaço tão privilegiado. Talvez então eu possa resumir essas inquietações no marco de um tema amplo que escolho, por conta e risco, chamar de oposição.
Desde as manifestações que têm como centro o crime impetrado contra estudantes normalistas de Ayotzinapa (Guerrero/México), passando pelo aniversário do coletivo Luta Fenaj, no Pará, até o trivial bate-boca em ruas portenhas e as bestialidades ditas por Bolsonaro, no Plenário brasileiro, colocaria minhas reflexões todas nesse mesmo campo do embate de ideias.
Já comentei aqui o caso específico do assassinato e do desaparecimento de mexicanos após intervenção direta do Estado, por meio da polícia. Ainda que seja recorrente o uso da força bruta contra quem se opõe ao regime, em tese, democrático no país, a morte de seis estudantes – com requintes de crueldade – e o desaparecimento de outros 43 levantou protestos em todo o mundo. Considero que o crime mostrou como a população pode se organizar muito bem contra métodos de repressão já inaceitáveis na atualidade: fazem marchas paralelamente em diferentes países; articulam o apoio de pessoas que se tornaram referência de resistência, como é o caso de Estela de Carlotto, presidente da organização argentina Avós da Praça de Maio, de Nora Cortiñas, presidente da associação Mães da Praça de Maio, e de presidentes latino-americanos; garantem manifestações em jogos de futebol (a cada 43 minutos de jogo, um grupo começa a gritar por justiça); infiltram ativista na entrega do Prêmio Nobel da Paz, quando furou o cerco à Malala e pediu que ela falasse sobre o México, representado numa bandeira manchada de vermelho, e conseguiu a liberação do manifestante preso imediatamente com pagamento de fiança de forma anônima. Enfim, a luta continua e o presidente Peña Nieto está envolto em uma pesada crise. Salve a luta, eu posso dizer com o mesmo orgulho com que me vesti de catrina durante atividades organizadas por colegas mexicanos aqui em Buenos Aires.
Essa forma de expressar repúdio a um governo e às violações aos direitos humanos que ele patrocina, no entanto, não tem nada a ver com a maneira de se manifestar de um casal com que ocasionalmente cruzei na rua tempo desses. Aparentando uma idade que eu poderia classificar como de indispensável maturidade política, o casal começou a arrancar a unhadas pedaços de outdoor da presidenta que estava fincado mais abaixo que a altura normal das placas publicitárias. Pedaço por pedaço iam sujando a rua, em silêncio e como se estivessem prestando um grande serviço a uma revolução que, a meus olhos, é invisível. Achei tão infantil e tosco, que necessitei proferir alguns impropérios ao bem vestido casal. Onde eles pensam que vão chegar com essa atitude? Meu incômodo não foi o fato de serem contra a presidenta, mas a forma como se expressaram, que mais demonstrava porcaria ao sujar a rua do que seus ideais.
Poderia então, o distinto casal, mobilizar petição de repúdio por sei lá o quê contra a presidente, como está sendo feito no Brasil em nome da cassação de Bolsonaro. Particularmente, acho que nosso sistema político deveria agir prontamente diante das bestialidades do parlamentar, porque existem ferramentas para isso e que, portanto, tornam até estranhas as tentativas de criarmos condições para isso.
O fato é que as oposições, sejam quais forem, devem ser qualificadas. E elas são muito saudáveis para aperfeiçoar qualquer sistema. Sim, devo admitir que muitas vezes penso em desistir de fazer algumas delas. E talvez já até tenha abdicado de algumas no decorrer do caminho. Mas ainda persisto em uma e outra frente de batalha. Dá uma cuíra, sim. Que o diga o coletivo Luta, Fenaj!
No Pará, o coletivo completou quatro anos, recentemente, atuando com debilidades, mas muita dedicação e vitórias de alguns poucos idealistas que não estão nada de acordo com a posição da diretoria da federação nacional de jornalistas. Vitórias das quais se beneficiam a sociedade como um todo, que consome os serviços prestados pelos operários da informação. Eu poderia enumerar uma série de conquistas do coletivo, que foi também fundamental no processo que construiu a oposição à diretoria do sindicato de jornalistas do estado. Há muito tempo não se tinha uma chapa de oposição nas eleições e com membros tão aguerridos, tão bem formados e diversos politicamente.
Não há avanços sem enfrentamentos. E a constituição de uma comissão da verdade no Brasil não veio à tona por outro motivo, ainda que tanto tempo depois e tão cheio de lacunas. Na Argentina, o primeiro governo após a ditadura logo instalou a sua e, ainda que tenha sido melada por Carlos Menem posteriormente, garantiu uma série de prosseguimentos que fazem jus às lutas populares. Até porque os crimes de lesa humanidade não prescrevem. Caia ou não caia a lei de Anistia.
Vida longa às ruas!
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