“Os dois nasceram perdidos...”
Milton
Hatoum, em: “Dois Irmãos”
Se poeta fosse, gostaria de fazer versos na ponta lápis.
Acho o lápis, aquele que a gente se acostumou a usar na alfabetização, a forma
primaz de se desenhar ou poetizar a liberdade. Vejo nos desenhos de Pablo
Picasso, ou mesmo no “Homem Vitruviano”, de Leonardo Da Vinci, a expressão do lápis
exatamente como eu gosto. Tenho a impressão, mal posso afirmar, que todas as
obras de arte, mesmo finalizada a pincel, foram iniciadas a lápis, pois parecem
ter a plumagem do desejo de voar na liberdade de criação.
O problema é
que a mão que afaga o lápis é a mesma que engatilha o fuzil. E o que pode sair da ponta de fuzil é pólvora, culminando em desenhos bizarros, na cor vermelha, incrustados no chão.
São duas mãos
que desatinam ou dois irmãos que se digladiam: o islâmico fundamentalista que se
caracteriza pelo comportamento sórdido, calculando friamente fuzilamentos sob
as barbas de Maomé. Outro irmão, o cristão, que vive a liberdade de expressão,
por isso paga com sangue todo o custo de tal liberalidade. Tal convivência caminha
lado a lado e jamais imaginaríamos todo esse ódio flanando pelas margens do
Sena a ponto de se ouvir estampidos além de suas imediações.
A Paris tão
romântica de cenários de cinema, quadros impressionistas e romances viu-se
pintada de vermelho rutilante, as cores da violência indomável e inescrupulosa
entre dois irmãos de mesma identidade cromossômica.
Ao retratar
“Dois irmão”, de Milton Hatoum, vê-se na Manaus de outrora um cenário
paisagístico que escondia a difícil convivência entre dois irmãos de
ascendência libanesa: “Lá fora piavam pássaros e pelo vão da janela eu via
galhos envergados e frutas maduras espalhadas no chão sujo do quintal”. O
quintal esconde, como o desenho de um lápis, o enxerto Naturalista da obra,
cuja realidade é levada aos extremos da sede de vingança.
O simples
olhar a este enfraseamento, revela a mais pura descrição de uma paisagem que
habita qualquer quintal de cidade amazônica, mas que representa apenas flores escondendo
uma obra espinhosa, ao revelar a alma perversa de dois irmãos (gêmeos) cujo
ódio revela-se apimentado num e sórdido no outro. O interessante da obra e que
me faz admirá-la é essa camuflagem bucólica que Hatoum prepara por trás de todo
aquele sentimentos de ódio entre os gêmeos. Uma história que relembra os bíblicos Caim e Abel. Yaqub
além de mais ressentido e rejeitado, era também o mais bruto, o mais violento,
pois matutava o silencio como maneira mais eficaz que uma resposta escrita ou
uma vingança esculachada. Yaqub tinha o perigo e a sordidez da ambição
calculada, e caminhava seguindo os passos de seu irmão Omar, mimado pela mãe,
fazendo lembrar a poesia oportuna de T.S Elliot (tradução de Ivan Junqueira):
"Somos
dois apenas, lado a lado,
mas se ergo os olhos e diviso a branca estrada,
há
sempre um outro que a teu lado vaga
a esgueirar-se envolto sob um manto escuro,
encapuzado."
3 comentários:
divulguei no Google+:
merece leitura o que o Roger andou rascunhando.
já fiz minha colheita poética.
em tempo: ele não é dado a panfletar...
das anotações poéticas eis o resultado:
- Tenho a impressão que todas as obras de arte, mesmo finalizadas a pincel, foram iniciadas a lápis, pois parecem ter a plumagem do desejo de voar na liberdade de criação.
- a mão que afaga o lápis é a mesma que engatilha o fuzil
- dois irmãos de mesma identidade cromossômica.
Um trago de palavra-benta é suficiente para destravar meu traços de escriba... Insisto por ter amigos como o Abel Sidney, que trago no bolso da frente desde o tempo que caminhava com lápis, apontador e borracha.
" a mão que afaga o lápis é a mesma que engatilha o fuzil "
Refletindo à luz desse possivel paradoxo, acredito que o respeito ao próximo, no sentindo mais amplo, não pode ter sua fé insultada, à despeito da " liberdade de expressão", assim como matar em nome de Deus !
Desculpem-me, foi apenas um desabafo, inspirado pelo belo texto do Amigo Roger !
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