domingo, 1 de março de 2015

Foi um Rio que passou em minha vida...

Se um dia meu coração for consultado para saber se andou certo ou errado, vai ser difícil negar: Rio de Janeiro é maravilhoso.

Ontem a “Cidade Maravilhosa” completou 450 anos e, quem não tem um pedaço do Rio de Janeiro dentro de si? Quantos não têm uma história do Rio, mesmo os que nunca foram a Copacabana ou ao Maracanã? Rio de Janeiro é sem graça somente para os que nascem sem sorriso. Se nascer com alguma querência no peito, o Rio abraça forte e faz cafuné.

 A minha querência foi de estudar. Lá, no final do ano de 1987, conheci um capixaba que me deu sombra por quase cinco anos até eu voltar pra Belém. Disse-me, entre as ladeiras de Santa Teresa e o aterro do Flamengo, qual o rumo do meu azimute de cirurgião.

Com pouco mais de mês no “Serviço de Cirurgia Torácica e Cardiovascular Prof. Jesse Teixeira”, o chefe me pregou uma surpresa. Pediu para ir ao 5º andar e fazer a anamnese de um novo paciente que acabara de se internar. Adentrando ao apartamento tomei grande susto: era José Abelardo Barbosa de Medeiros, para nunca mais esquecer. Tratava-se do ilustre Chacrinha.

 Claro que ele me recebeu bem. Estava acompanhado da esposa, d. Florinda, e duas ou três Chacretes. Eu havia batido na porta, pedido licença, me identificado, mas foi o paciente quem abriu a conversa. Perguntou-me de onde eu era. Respondi sem sofrimento. Ele, um pouco com falta de ar, replicou: “Terra do meu amigo Carlos Santos”.  Nervoso, claro, tentei não me deixar perder por aquele comunicador ilustre e suas damas de companhias. Depois seguimos na evolução clínica e ele passou, mesmo que de longe, a me enxergar.

Chacrinha havia se internado na Real Beneficência Portuguesa, rua da Glória, zona sul, com uma dor torácica direita e a radiografia logo evidenciou que se tratava de derrame pleural. A pergunta era: seria um derrame maligno? Era preocupação, pois ele, 26 anos antes, tinha desenvolvido câncer de pulmão e, além de ter sacrificado a metade superior do pulmão direito, também lhe custou a perda de algumas costelas (o conhecido “Tumor de Pancoast”). Foi Jesse Teixeira, o tal chefe, quem o operou na primeira vez, mas foi Jesse Filho quem fez, naquela ocasião, a punção por agulha para retirar e estudar o líquido pleural. Havia dado câncer, novamente.

Parece inacreditável, mas Chacrinha, mesmo encurtado da respiração, ter perdido algumas costelas e parte do pulmão direito, obeso e ainda ter fumado feito chaminé, era uma potência de 70 anos. Logo depois de alguns dias iniciou a quimioterapia, mas sem deixar de buzinar e balançar a pança, apesar de conviver com alguns momentos de depressão.

Eis que chegou o triste dia em que recebemos a notícia de sua morte pela d. Florinda. Ocorreu dentro da própria casa na estrada do Joá, pros rumos da Barra da Tijuca. Inicialmente achávamos que pudesse ser alguma complicação do segundo Câncer - já avançado -, mas a maior surpresa foi que o enfarte o pegou de uma só vez, sem dar a menor chance.

Desde então o Rio me marcou profundamente e por lá deixei raízes fortes que até hoje me fazem voltar a freqüentar o bairro onde morei, estudei, fiz amigos, formei família e conheci aquele Velho Guerreiro. Foi esse Rio que passou em minha veia e no coração trincado do Chacrinha, como bem diz o enfraseamento de Paulinho da Viola, e se deixou levar pela leveza do ar que lhe vela e revela.

Feliz aniversário, Rio. Volto sempre!

4 comentários:

Unknown disse...

Roger! Esse é o meu poeta! O Rio de Janeiro continua lindo, e de braços aberto para te receber uma vez mais... A casa é sua!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Vanucci, Salve São Sebastião... Um forte abraço, meu querido.

Erika Morhy disse...

Nossa, Roger!E Eu devo dizer que me identifico muito com quem se deleita com sua atividade profissional, ainda que diante de inesperados. Ainda que não se busque esses ganhos secundário, digamos assim. Eu ficaria estupefata. Até porque, devo admitir: um dia, quando todos perguntam o que você quer ser quando crescer, eu dize que queria ser chacrete! Eu dançava na frente da televisão feito as moças. Depois cantava com os artistas, muitos deles fizeram então parte da minha cabeça na adolescência. E assim o Chacrinha fez parte da minha vida. Hoje leio tudo isso com outra perspectiva, mas foi marcante. E fiquei impressionada com teu relato. Imaginas que devo passar por algo semelhante como jornalista, não? Pois digo que sim: já tive o privilégio de ter de entrevistar pessoas muito interessantes, que talvez jamais eu chegasse perto como profissional de qualquer outra área.
Bem, só me resta dizer: obrigada por compartilhar tuas memórias conosco. Me fez bem.
Abraço grande, querido.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Erika, agora é a sua vez de compartilhar a sua memória... Prossiga.