Foto: Paloma Robles
Aquela sensação que me tomou de súbito foi tão forte quanto confusa. Aqueles braços que se atracaram aos meus, um de cada lado e ao lado de tantos outros. Senti o calor de corpos que enfrentavam um dia fresco. Estávamos quase todos vestidos como autoconvocados. De negro. Recebemos a moldura do rosto de cada um dos 43 jovens normalistas desaparecidos pelo Estado mexicano, em setembro de 2014. Penduramos em nós pelo pescoço, que sustentava nossas cabeças mascaradas de branco. Gritávamos a uma só voz que Ayotzinapa vive e que a luta continua. Contávamos até 43 e pedíamos justiça. Formamos duas fileiras e marchamos da praça do Congresso à mítica Praça de Maio. Neste dia 26 de março, os jovens estudantes do estado de Guerrero completam seis meses de desaparecidos pela polícia mexicana. Não estávamos sós no ato. Mas éramos apenas nós que defendíamos os campesinos naquele feriado argentino pela memória, verdade e justiça, no dia em que, há 39 anos, estalou a sexta ditadura agora chamada cívico-eclesiástico-militar.
Eram milhares que fariam o trajeto. E eram muitas e diferentes as cores das bandeiras que tremulavam. Entre elas, partidos políticos faziam questão de estar presentes. Mas eu mesma preferi acreditar que valia a pena fincarmos nossa voz ainda ali, onde também estavam a luta de indígenas contra a matança seletiva; de mulheres contra a violência de gênero; de moradores de favelas contra o massacre de excluídos. Não sei se juntando todos os autoconvocados seríamos mais que os grupos governistas e os não-governistas entrincheirados. Conseguimos fazer com que não nos misturassem às disputas partidárias. Sim, tentaram.
Cada jornal, obviamente, faz a leitura que lhe é conveniente do fato. Uma passagem de olhos muito básica em três deles é suficiente para ter a noção. Clarín e La Nación fizeram um registro quase monossilábico, enquanto o Pagina 12 se dedicou em uma série de matérias que abordavam o tema, usando apenas como gancho a grande manifestação.
Um fato que me intriga é que todos nós, com todas as nossas diferenças, parecíamos estar ali contra um único vilão. E em favor de um único salvador. Mas quem são? Muitas violações que nos indignam e nos levam a defender a vivacidade da memória ocorrem no mesmo sistema democrático pelo qual um dia se lutou como sendo a solução contra o regime autoritário. Por isso acredito ser valioso, assim como estar nas ruas, também pensarmos muito bem quê sentido damos e assumimos para sistemas que, a princípio, são tidos como a bendição para nossa sociedade.
Vou ser repetitiva, como já fui outras vezes, aqui mesmo, neste nobre #Flanar que temos para nos expressarmos. O artigo do professor Andrés Rosler instiga a pensarmos em que coisa é essa que defendemos, essa democracia. De pronto, eu aposto que cabe como uma luva na situação brasileira atual. Mas lembro que ele se refere à Argentina.
Prudente notificar que não estou na defesa ou repugnância de um ou outro modelo. Apenas desejo, com a mais sentida das intenções, que saibamos sobre outros modelos de organização da sociedade. Desejo acreditar que somos capazes de construir uma alternativa ao sistema que nos tem feito tão mal, ainda que ele tenha oferecido alguns direitos negados em períodos anteriores. Dizer que defendemos a democracia é o mesmo que dizer que a população da Amazônia é toda igual. Quem vive nela, em geral, sabe da dimensão das diferenças econômicas, gastronômicas, políticas, culturais, genéticas, geográficas enfim... E assim como outros modelos de democracia, é possível haver outros modelos de sistema político que possam ser mais justos com seus súditos.
Não é feio vir ao mundo a passeio, no sentido de querer satisfazer suas pequenas necessidades cotidianas pura e simplesmente. Mas temos de arcar com as conseqüências de não participarmos de processos importantes para a comunidade na qual estamos inseridos.
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