Sua forma de ser obedece sua origem humilde. Esta palavra, meditei muito para dizer. Inclusive eu a tinha escrito. Tirei. Voltei a escrevê-la. Tirei de novo. Por fim, deixei – Raúl Castro, presidente de Cuba, referindo-se à Barack Obama, dos EUA. Depois dessas palavras, Castro teve um acesso de tosse.
Enquanto indígenas lembram a parlamentares que seus direitos estão sendo violados. Enquanto militantes partidários reclamam a falta de uma justiça equilibrada. Enquanto trabalhadores exigem um tratamento decente por parte de seus patrões. Não mais nem menos importante que os brasileiros e seus ideais, dirigentes de países da América e Caribe exercitam colocar os pingos nos is, como se pode ver, nos dias 10 e 11 de abril, durante a VII Cúpula das Américas, realizada no Panamá.
Eu sinto muito, na verdade lamento profundamente que não seja possível a qualquer cidadão ter acesso à íntegra de reuniões como essas, onde ficam também muito claros os motivos de cenários do nosso combalido cotidiano. A mídia ainda nos deve essa.
Modestamente, posso dizer então que me sinto privilegiada por, minimamente, ter acompanhado parte dessa agenda, ao vivo, da sala de casa. E depois recuperar, pela internet, momentos da agenda que havia perdido. Revi alguns. Consegui escutar o discurso de pelo menos dez presidentes na plenária. Eram em torno de 20, pelas minhas contas. Triste foi ver algumas das repercussões midiáticas. Seletividade mais asquerosa.
Claro que achei ótimo que o presidente Raúl Castro pudesse levantar a bandeira de Cuba pela primeira vez na cúpula. Uma etapa da história que a nação conquistou depois de muitas décadas de luta frente aos que se supõem donos do mundo. E apesar de reconhecer a relevância da aproximação pacífica com os Estados Unidos, não titubeou em fazer as críticas devidas. E elas foram onipresentes. Saíram de quase todos os lados em uma só direção. E isto me regozijou, sim.
Enquanto Raúl Castro falava, por cerca de 50 minutos, Barack Obama, no cume de sua soberbia, mascava chiclete e folheava uma brochura. “Uma coisa é estabelecer relações diplomáticas e outra, é o bloqueio”. Muitas águas ainda vão rolar nessa pauta que virou a menina dos olhos da imprensa internacional.
Na véspera da plenária, o presidente Nicolás Maduro visitou El Chorrillo, bairro panamenho sacrificado pelos testes bélicos dos EUA, em 1989. O sangue já foi derramado e a única manifestação do mandatário norte-americano à época foi dizer que não sabia que o bairro era invisível aos seus radares... Uma aberração. Desculpem ter que contar isso pra vocês. Eu sei que faz um mal danado pro fígado.
E é justamente a Venezuela que agora está na mira dos EUA. Como disse Raúl Castro, passa pelo mesmo que Cuba passou, ou quase o mesmo. Para Evo Morales, presidente da Bolívia, se os Estados Unidos têm tanto poder, poderiam aceitar liderar um processo de paz no continente, ao invés de promover mais atritos nas relações entre os países. Particularmente, não sei se Obama tem interesse. Chegou a oferecer ajuda a Cuba, quando deveria ressarcir os cubanos, como bem disse Evo. Sinal de que continua vendo à sua volta apenas súditos.
Maduro foi incisivo, como não podia deixar de ser: Nunca bombardeamos, nem assassinamos nenhum povo do mundo, por isso temos orgulho de nossa história! Mais um contra-ataque à Obama, que, de tanto ouvir sobre a vilania provocada por seus antecessores e por ele mesmo, chegou a dizer que não queria saber da história, que lhe importava o futuro. Agora encho a boca pra dizer: levou um baile de todos os seguintes mandatários por esse desapreço que manifestou pela história.
Rafael Correa, do Equador, Tabaré Vázquez, do Uruguai, Dilma Rousseff, do Brasil. Estes também partiram pra cima do Obama, contra o decreto do Executivo aprovado no último dia 9 de março, que considera a Venezuela um país ameaçador para os norte-americanos. Mas devo admitir que bonito mesmo foi o discurso de Cristina Kirchner.
Como os demais presidentes, a da Argentina não se limitou a apoiar Maduro. Começou dizendo que era preciso haver sinceridade naquele encontro, ou seriam necessários milhares de outros e não se chegaria a lugar algum. E neste momento começou a questionar, afinada às pautas elencadas pelo próprio evento, o narcotráfico e sua relação de sobrevivência. Cristina enfatizou que este não era um problema apenas dos países consumidores, porque não são esses exatamente os mesmos países que produzem as drogas. Onde se lava o dinheiro do narcotráfico?, perguntou. Concluiu afirmando que é na América Latina que ficam amontoados os mortos e as armas.
Cristina destacou ainda que, assim como Venezuela não é ameaça alguma para EUA, Argentina tampouco o é para a Inglaterra, esta que faz questão, há décadas, de ter seu quinhão na América Latina, tendo domínio sobre as ilhas Malvinas.
Devo concordar com a peronista: há um lugar de onde não se volta, e este lugar é o ridículo.
//
Quem compreende espanhol, pode assistir cada discurso e ver uma série de matérias pela internet. Agências como RT e TeleSur dispõem os vídeos integralmente.
Deixo
este link pra tentar facilitar a busca.