Pouca saúde
e muita saúva,
Os males do
Brasil são!
Mario de Andrade em:“Macunaima"
Expedito tinha obstrução respiratória e pressa.
Aos quarenta e poucos anos era procedente de São Miguel do Guamá, na
Belém-Brasília, logo depois da forquilha com a Pará-Maranhão. Durante três
horas de viagem agonizante, com a sirene da ambulância afônica, suportou a
respiração estridente e a vida no ponteiro do relógio, até chegar ao Barretão.
Logo foi submetido à endoscopia: obstrução abaixo
do pomo. Era tumoral e o ar passava por uma fresta pouco mais larga que o
buraco da agulha de crochê. Passou direto para sala de cirurgia; o
anestesiologista sofreu para garantir a oxigenação até iniciar a operação.
Então o pescoço foi abordado e extirpada a moléstia com parte da traqueia. O
paciente foi para o CTI e a peça operatória para exame. Câncer, segundo o
laudo, cujas beiradas não havia doença. Curado e ponto final.
No outro dia, desperto, com fôlego renovado e,
mais que isso, emocionado com a segunda chance de nascer, Expedito gostaria de
dar um forte abraço na equipe, ou melhor, um abraço-açu (Açu é radical de
origem tupi com função adjetiva; significa grande e surge em palavras
compostas, como Igarapé-açu).
Disseram-lhe para transferir o abraço ao Barretão,
que passa por momento difícil. Este é apelido carinhoso que estudantes e
residentes cunharam no hospital Barros Barreto, posse da UFPA. É um gigante que
nasceu nos idos de 1950/60, inicialmente como sanatório de tuberculosos, depois
o governo o transformou em hospital geral, porém ao longo dos últimos anos vem
sofrendo bombardeio administrativo e escasseando tudo, até luz. Lá se trabalha
na penumbra do progresso, apesar de muros e portões de academia.
Expedito, tão logo que caminhou foi bater na
diretoria, mas deu com a mesa vazia. O diretor estava lá fora, à sombra de um
Ipê, ao lado de dezenas de pessoas que se mostravam amigos do hospital,
organizando um abraço de ressurreição. Expedito se enfronhou entre os demais e,
de pijama e uma gargantilha de curativo, abraçou o Barretão como promessa de
ter obtido aquela glória. Naquele momento o antigo sanatório sofria um
simbólico abraço-açu de todos, porque sabiam que o hospital estava preste a
atravessar a rua. O abraço-amigo puxou-o do sepultamento condoído. O gigante
vai se reerguer, todos inflamavam numa só voz.
Naquele mesmo momento estava dando na difusora que
o INCA, um dos maiores centro de câncer do Brasil, no Rio de Janeiro, estava na
mesma penúria. Percebe-se que, diante do descaso com hospitais públicos, o
Barretão é mais um que tomba no silêncio funesto da saúde pública pantominada.
Por sua vez, no coração do CTI, um residente
tentava realizar um procedimento cirúrgico, à beira do leito, sem dar conta do
acontecimento simbólico repleto de holofotes e mídia, que ocorria lá fora. No
final perguntaram a ele porque não esteve no abraço - sob pena de ser punido.
Respondeu: "nessa hora eu ‘tava procurando foco cirúrgico pra realizar uma
drenagem torácica na UTI".
Resposta tão silenciosa quanto o pisar de um
Brontossaurus. Interromperam a punição e tiveram pejo de saber se ele havia
operado à luz de vela.
Se Expedito abraçou por fora e aquele residente
abraçou por dentro, pois certamente foram os abraços dos mais afetuosos que o
Barretão albergou. Ele vai se reeguer, ele tem alma...