sexta-feira, 7 de agosto de 2015

Cataplof! Sobre verdades que tombam

Às vezes me sinto como se me tirassem o tapete voador de um puxão só e sigo a todo vapor pro impacto. E cataplof! Lá se foi a verdade na qual eu acreditava estar confortavelmente debruçada a deslizar, num céu de brigadeiro. Digo isso por duas situações muito específicas e recentes. Sim, leitores, esse tombo eu levo desde que me entendo por gente. E não faz mal, não. Pelo contrário.

Um primeiro tombo que me esbandalhou as idéias ultimamente foi ler o trabalho de uma pesquisadora argentina em que defende o modelo da reconciliação utilizado na Àfrica do Sul para alcançar as verdades ocultas do terrorismo de Estado. Pra mim, até então, nem passava pela minha cabeça a possibilidade de garantir o perdão a quem fez parte de atos tão cruéis contra a humanidade. Pensando bem, acho que seria uma espécie de delação premiada: “você fala e a justiça vai aliviar tua pena”. Talvez, para familiares que buscam pelo menos os restos mortais de seus entes queridos esse método esteja valendo. Se é que entendi, para a autora, Cláudia Hilb, o fato é que os incriminados estavam mais dispostos a colaborar, já que tinham a garantia da pena aliviada. Ao mesmo tempo, ela acredita que o modelo de “juicio y castigo” aplicado na Argentina é menos frutífero quanto a estas verdades; os acusados não estão dispostos a pagar uma pena ao reconhecer seus delitos. E assim muitos deles levam para o túmulo informações preciosas.

A autora reconhece que sua proposição assombra (ufa!), mas aposta numa reflexão cuidadosa para que se escolha o modelo. Neste caso, pra mim faz sentido o que ela bem descreve. De um lado, ganha-se em verdade e talvez se perca em justiça, enquanto de outro, pode-se estar ganhando em justiça, mas certamente se perdem verdades. [Vamos definir o foco]

Tenho lido mais textos de Hilb, que busca apoio nos conhecimentos produzidos por Hannah Arendt. Está bem acompanhada, a meu ver. Por isso, não a descartei diante do tombo de minhas certezas tão frágeis. Continuo a digeri-la.

E, sem deixar de lado leituras de artigos ou textos jornalísticos, começo a perceber que há pessoas vinculadas ou não a grupos de matriz africana que são contra a adesão de gente branca a práticas tradicionalmente negras, como usar turbante, para dar um exemplo simples. Eu mesma, em Belém, participei de uma oficina promovida pela bela e cativante Emi Sá justo sobre o uso do turbante. E levei minha filha. Compramos alguns tecidos e, aqui e acolá, turbantamos, porque achamos lindo, respeitamos a cultura negra e acho ótimo que possamos desmistificar o que antes poderia parecer nada mais que algo exótico e distante de nós.

Pronto! Quando li alguns textos que de antemão nos aparta entre negros e brancos e além do mais afirma que é praticamente um acinte a adesão de brancos à cultura negra...estremeci. Lá fui eu de novo. Ladeira abaixo. Mas eu pensei que isso também era uma forma de valorizar práticas até então associadas apenas a negros! Eu sempre achei lindo ver, em outras cidades brasileiras, as mulheres negras praticamente cultuarem seus cabelos crespos, com diversas tranças, com turbantes, com detalhes que me soam como orgulho de ter o cabelo que se tem... Em geral, nessas cidades, nas clássicas Salvador e São Luiz, por exemplo, coincidentemente (cof!), são elas mesmas, as mulheres negras, que vendem seu trabalho a qualquer pessoa que quer modelar seus cabelos. Existe também um movimento, inclusive não-comercial, de estímulo a que cada um assuma os traços negros com que nasceu. Tenho várias amigas, colegas, conheço pessoas assim.

Em um dos textos que li, o autor precisou se retratar e editar o texto, o que o fez e declarou de forma muito honesta, que, não, essa conclusão não é consenso entre organizações. Pelo menos isso. Já amortece meu tombo. Se usarmos esta concepção defendida pelo autor, então branco não pode ser capoeirista, nem ser membro do Candomblé. O que será que ele pensa sobre a Umbanda, que já nasceu no Rio de Janeiro, e sobre a Mina-Nagô, típica dos estados do Pará e Maranhão?

É verdade que as sociedades têm uma dívida histórica com as populações negras. Esse é um dos motivos pelos quais gostaria de apurar meu conhecimento sobre o tema. Alguém se atreve a contribuir?

2 comentários:

Giorlando disse...

Maravilhoso.

Erika Morhy disse...

Muito obrigada, Giorlando. Bacana mesmo saber que vocë gostou, dado seu talento.