Beatles, na canção: Get back
Quando recebi o convite para ir a
Quebec tratei logo de por a família e o passaporte no bolso. Apesar da depressão
econômica do país, todos os esforços foram necessários não só para visitar a
universidade Laval (1663) a convite da anfitriã Paula Ugalde e o americano
Thomas D'Amico, mas também sentir a textura da cidade. Deixei as economias na casa de
câmbio e as portas do avião em automático e fui...
A cidade tem atração que já começa na embriologia, quando franceses da
Normandia expulsaram, à pólvora, britânicos e americanos. Logo depois
edificaram uma muralha de proteção que se tornou um dos pontos turísticos mais
contemplados, e separa a cidade velha (Ville Québec) da moderna.
Quebec fica longo período sob neve e isso a conserva e a distancia das
intempéries da natureza. Quando bate o verão tudo aflora, inclusive flores em
portas, janelas, ruas e praças. Quebec é realmente um modelo impossível de ser
pirateado por essas bandas ao sul do Equador e nos tortura mais ainda quando
revemos o exercício de cidadania. Saí de lá pisoteado pela nobreza e o respeito
à natureza - apesar de algumas fábricas remanescentes no meio da cidade,
acinzentando aquele céu de parco azul.
Numa banca de revista o tablóide estampava 17 mortes por motocicleta
naquele ano. Dá para contar num ábaco. O sistema binário, por lá, é utilizado
para contabilizar avanço financeiro e as medalhas olímpicas do último Pan. O
taxista que apanhei na Grand Alée Est sentido Ville Québec, um refugiado do Congo, confessou-me que houve apenas um assassinato em
2015. O congolês, com seu inglês francófano - e o meu misturado com tucupi -
aferiu-me: cidade onde existem flores nas janelas, violência toma outro rumo.
Faz sentido para aquela Quebec de 1608.
Deve ser verdade, pois no sábado livre, na Ville, havia apenas um policial e nenhuma viatura. Foi na rue Du
Petit-Champlain, a mesma que certa noite saímos para
flanar e tomar vinho.
Naquela noite escolhi um lugar típico, o Restos
Plaisis. Havia uma mesa ao fundo com dizeres
rascantes na língua local: C’est bon la vie”, certamente escrito por Baco. Ali
sentamos, degustamos um bom vinho e apreciamos cada pestanejo da rua.
Bem à nossa frente, sozinho, um rapaz lia. Ele se contorcia, levantava,
vez por outra dava uma golada na cerveja, mudava de cadeira sem sair da mesa e
coçava cabeça e ombros. Deixava-se ao vendaval da leitura. Consegui identificar
a autora: Alice Munro, ganhadora do Nobel de 2013. No caminho para inverter
água, duas outras jovens, também desacompanhadas, liam plangente, sob luz de
velas, ao lado de uma taça de vinho. Pareceu-me ser ali, refúgio de leitores,
uma espécie de liceu onde jamais estariam desacompanhados, pois o livro não
deixa o homem beber só.
No dia seguinte varamos no D’Orsay. Escolhemos ficar num alpendre
aconchegante, cuja janela dava pra rua, que dava numa praça, onde jovens -
inúmeros jovens, amontoados em pequena arquibancada - apreciavam a arte
circense à luz da lua - seriam desertores do Circu du Soleil?
Na parede, em vez de obras de Monet, aquele outro D’Orsay tinha estantes
repletas de livros usados, prontos para serem folheados.
Encasquetado, comecei a andar pelo local a procura de alguém zapeando
num fone. Nada, nada.
Volto, mas apelo à lâmpada do Aladim: Quero essa Quebec pros meus sonos tropicais.
8 comentários:
Bacana Roger‼️ Temos a sensação de viajar junto com seu texto‼️ Pena o Beiradão não passar perto dessa vila‼️
Thank you, Immanuel for your comments...
Thank you, Immanuel for your comments...
Rocha, O beiradão não passa pela ponte sobre o rio Oiapoque? De lá para Quebec é um pulo, pois a frança da Normandia pode te facilitar tua chegada em Quebec.
Já enviei à nossa designer gráfica, uma paulistana que se bandeou para Montreal, esta sua belíssima crônica.
Envie mais!! Estamos acompanhando e torcendo para que as conquistas cidadãs e humanas nos contamine, nos arrepie a pele, nos faça tomar vergonha sem nos fazer corar ou chorar...
Faltam muitas, muitas flores nas nossas janelas...
Sim, sim, Erika.
Abel, são 14 milhoes e seiscentos mil dólares canadenses em invetimento por ano em literatura (Maison de la lieterature), conforme o out door anuncia na foto do texto. Não vamos chegar nunca a isso, ou melhor, daqui a 300 anos, conforme grifou o Siza Starling. Quando eu escrevi, tinha também esse propósito: de contaminar as pessoas e elas perderem a cor.
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