"O presente se assusta com o futuro e desdenha o passado"
Ao pegado de meu quarto, vejo, vez por outra, meu vizinho se revezando entre as guitarradas do rock e rabiscadas em folhas de papel. Quando me repassa alguma de suas criações, eu roo as unhas na busca incessante de interpretar toda essa contextualização. Desta feita, com o leito ungueal em carne viva, compartilho essa-umazinha que sai do quintal de seus sentimentos e chega à tela de vocês por meio desse delivery tecnológico chamado internet, componente fogoso do tal sedentarismo revolucionário.
Segue,
João Pedro (*). A verve é toda sua:
"O
indivíduo nômade que descobriu o sedentarismo teve a mesma perspicácia do
inventor do telefone. A distância temporal entre esses homens é apenas detalhe,
como o grão de açúcar que cai - a mais - no café ainda desalmado. A única diferença entre esses cérebros é justamente o que, na
redondeza de sua visão, a natureza proporcionou para a sua descoberta.
Fixar-se
em um pedaço de terra e ali aplicar a agricultura foi a revolução tecnológica
mais avançada que o ser humano conseguiu descobrir naquele período. O mesmo
vale para o telefone, para a pólvora, para o televisor e para a ciência em geral. Somos todos filhos do nosso tempo e netos de nossa memória.
O
então sedentário é o mais novo revolucionário. E daquela situação certamente
não esperou que o mundo fosse capaz de ir além. Não imaginou a comunicação pelo
telefone. Cavaleiros medievais não imaginaram máquinas com a força de duzentos
de seu cavalo mais forte.
Assustamo-nos com cada nova peripécia da tecnologia; não imaginamos que tal coisa fosse um
dia possível. O presente se assusta com o futuro e desdenha o passado. Se não
somos capazes de adivinhar a próxima descoberta, somos altamente capazes de
subjugar o antigo pela coerção mais ignorante que a tecnologia não foi capaz e
ofuscar: a que somos o estágio mais avançado da humanidade. Daqui não há pra
onde ir, pensam os otimistas. Otimismo semelhante ao sedentário revolucionário.
Somos
aquela pedra colecionável em alguma sala de estar, que não serviu para embelezar
a praia (pois haviam milhões de outras) e por isso fora retirada de lá. Somos
um grão de areia na praia da História (sim, com “h” maiúsculo. Mais respeito
com essa sábia senhora).
Se
continuarmos a desdenhar o passado - a memória e a História -, quem fará o papel
de mãe das causas humanas? Aquela que, quando o filho erra está ali para
sentar, por no colo, conversar, apontar os erros e cobrar os acertos na próxima
oportunidade? Caminhamos para enjaular a História e suas ciências-irmãs no
calabouço de algum castelo, como algum profeta herege. A ditadura do
imediatismo pagará o preço por dar liberdade à História apenas quando o
primeiro visitante entrar no museu: se arrependerá no dia em que amanhecer sem
História."
* João Pedro Normando é estudante de História da UFPA.