quinta-feira, 1 de outubro de 2015

Roube cinco, mas não roube cem




Resolvi assistir pela internet a entrevista completa de Carlos Tévez que havia visto, pela metade, na America TV, da Argentina, transmitida ao vivo no último dia 27 de setembro. É que ela repercutiu um bocado em diferentes meios, não sem motivos. No estúdio, Majul e Paluch conduziam o programa La Corniza, em mais de uma hora de altos, baixos e muito baixos.

Deixo o link, mas publico alguns desses momentos que selecionei desde meus filtros próprios e os transcrevi por livre tradução.

Já me atrevo a chamar de Carlitos ao camisa 10 do Clube Atlético Boca Júnior, especialmente porque cada vez mais denominam assim ao garoto que nasceu e foi criado no popular bairro Forte Apache, a noroeste da capital argentina. Carlitos é considerado um jogador do povo, pelo que se diz da simplicidade do cara, da vontade de ajudar a quem está ao seu entorno, além de ter saído de uma vida bastante humilde, conquistado títulos e grana incríveis no exterior e voltado como saiu em termos de relacionamento com sua rede familiar, incluindo aí os amigos.

Recentemente, alguns colocaram em xeque o bom caráter do jogador por conta de uma lesão que provocou no colega Ezequiel durante a partida contra Argentinos Juniors. O tornozelo do adversário foi quebrado numa disputa pela bola. E este foi um dos primeiros assuntos postos à mesa.

Lá pelos 29 minutos de conversa, o torcedor do River, Majul, sai com essa:
- E teus amigos? Não tem nenhum com ressentimentos? Alguém que diga: olha o que ele ganha! Te pedem dinheiro?

- Não me pedem, porque cada um tem seu trabalho também.

Curti esse lance, leitores. E veio mais uma forte emoção no minuto 35:30.

- Tu estiveste anos fora...
- Mais de dez.
- E voltas pra uma Argentina...quep...ts...a ver...É teu bairro, tua gente, nunca perdeste o contato, mas é... não é o mesmo viver aqui do que viver em Londres, em Manchester, na Itália ou em Turim, né?
- Eu vivo igual. Pra mim, não muda nada. Essa é a verdade.

O Majul não soube se expressar bem, mas eu tenho minhas hipóteses. E Tévez se saiu bem de novo.
- Você sabe o que passa na Argentina, né?

- Sei.
- O futebol é um negócio espetacular. Juntam uns vagabundos, com Grondona na cabeça, e poderia ser muito melhor.
- Eu sou muito egoísta nestas coisas. Roubar, roubam. Mas que roubem cinco [milhões], não cem [milhões].

Chutaram tudo pro ventilador, leitores! Um ataque de sinceridade?

Majul estava indócil com o assunto de grana. Virava e mexia, voltava ao assunto, como no minuto 51:20.


- O que deixaste pra vir à Argentina?
-... Depende do contrato...
- 20, 100...
- O que eu deixei, pronto, já foi. O que eu ganhei foi felicidade.

Foi bonita essa resposta, hein?

Loguinho depois do Tévez ter enveredado por uma conversa sobre seu novo encanto pelo golf, seu encontro com o papa Francisco...lá vem o Majul de novo.

- Não sei quanto deverás ter perdido...Tiveste uma oferta de uma equipe de onde mesmo?
- Da China.
- Algo assim com uma das mãos está bem, né [cinco milhões]?
- 20, por ano.

Paluch completa com uma gracinha que não moveu um músculo que seja da cara do jogador:
- E não de golf. Hahahaha

Majul inconformado:
- Falaste com a tua família? Podes me explicar?
- Sim, decidimos as coisas juntos.

Majul move os braços como uma galinha as asas e mantém o ritmo:
- Dizer é fácil, mas ...

Paluch engata um grave:
- Siiim.


Tévez?
- Já foi. Ainda que eu tenha desfrutado nesses dez anos, senti falta do meu pai, da minha mãe, dos meus irmãos, perdi a infância dos meus sobrinhos, de irmãos, e da mesma forma com minha esposa, com minhas filhas. Neste exato momento, 20 milhões não me faz falta. Tem um dito que me falou meu tio: a gente não se dá conta, mas nasce nu e morre nu. Uma vez que minhas filhas já têm seu futuro garantido, poderão estar bem, pronto. Agora tenho que tratar de ser feliz do mesmo jeito.

Mas Paluch queria ter uma participação notável naquele bate bola. E dispara:
- Como foi estar jogando a final da Champions e poucos dias depois jogar Boca-Quilmes? Sem ser pejorativo com ninguém!
- Sabes a diferença? Eu me deitava e dormia pensando no jogo que tinha que jogar no dia seguinte.

Nobres leitores, devo dizer que costumo ser passional e de pronto reagir ao que me parece incrível, seja algo que eu considere bom ou ruim. Mas também tenho um dispositivo que me coloca um balde de água fria e me faz refletir um pouco mais, olhar os fatos desde outros pontos de vista. Por isso, prefiro não manifestar todas as minhas suposições a respeito desta entrevista, o que naturalmente já vazou, pelo menos uma parte delas, durante o texto. Vou guardar algumas comigo. Ruminar um pouco, talvez. E fico no aguardo da opinião de vocês.

2 comentários:

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Querida Erika, sou apaixonado por futebol (sou ex-futuro jogador do Paysandu e atualmente atuando no Vascoalhada, time de várzea das redondezas de Belém, com contrato vitalício). Sempre fui fã do Carlito. Certa vez, quando esteve em Belém pela primeira vez ainda jogando pelo Boca Juniors na Libertadores (esteve na segunda vez pelo Corinthians) tinha ainda 19 anos e todos o viam com um futuro promissor. Mas o que o tornou assim foi a sua extensa passagem pela Europa. Vi no seu texto, uma pitada de passion latina. Carlito bebeu o vinho do tempo na esquina da boa malandragem e tirou gosto com a sua origem nos cafundós de Buenos. Aires. Carrega no rosto as marcas de uma queimadura na infância e nunca quis esconder a sua origem. Entendi a sua sinceridade como um vinho que não envelheceu, apenas ganhou outro paladar, que só assustou ao Paluch, querendo misturar algum tipo de Cachaça na prosa...

Erika Morhy disse...

hahaha Caro Roger, devo admitir que pode ter escapulido para o texto minha paixão pela latinidade, sim, da mesma forma como escapou o idealismo que está sempre pela corda-bamba, como o bêbado e o equilibrista.
Obrigada por compartilhar suas memórias e suas metáforas, sempre de fina pluma.
Abração pra você.