domingo, 14 de fevereiro de 2016

Balacobaco, telecoteco e ziriguidum

“Carnaval chegou ao fim / ai de mim / Só me sobraram os sermões / quando rasguei a fantasia e as ilusões”, confessa-me o poeta da mercearia Antonio Corisco, no meu zap particular, ao final da festa de Momo. É verdade, Corisco! Quantas ilusões de carnaval desescondem-se nos dias de folia. Desfolham-se as piratas, pierrôs, colombinas, palhaços e tantas outras... tantas ilusões, tantos relatos...
A gente se imiscuindo é que colhe material para bons relatos, já dizia Stanislaw Ponte Preta, jornalista e escritor, em suas crônicas do cotidiano do Rio de Janeiro. E o melhor lugar para se coletar eventuais histórias é o Carnaval de rua: seja do Rio (ou do sambódromo, mesmo), Salvador, New Orleans, Barranquilla, Veneza ou mesmo da Cidade Velha. Não basta ficar de longe só escutando samba, espreitando o bumbum paticumbum e espantar o calor com abano. Tem que ir pra rua e se fantasiar de balacobaco, telecoteco ou ziriguidum e deixar a água rolar, ou melhor, o suor escorrer até o dedão do pé, chegar em casa com a planta do pé esfolada, camisa cheia de batom e com inhaca de derrubar gambá. Depois a gente coloca gelo na cabeça, puxa cadeira, senta, coloca a perna pro ar, conta umas prosas e reinventa outras.
Na verdade, histórias de carnaval funcionam como elixires para quem vive uma cultura doente. Ainda mais: tal arte pode ajudar a curar, ou pelo menos funcionar como paliativo às nossas agruras que virão nos vindouros dias do ano.
A história de folias tem sido mais mais valiosas que a de nosso país, que anda sem luz e preso pelo silêncio da cruz que nos espanta a cada delação. Se o drama é a distancia entre o que pode ser dito e o que não deve ser mencionado nos clássicos das páginas policiais de Brasilia, no carnaval isso não existe e tudo fica desenhado nas fantasias ou pichado nos tapumes das obras da cidade. Exemplo foi visto na rua do Catete, Rio de Janeiro, próximo à saída do irreverente bloco “Balança meu Catete”, um desses dizeres: “A arte veio salvar o que estava perdido”. Quem assina é Ellion, poeta urbano.  Acredito no Ellion, como acredito na minha ciência preferida.
Na zona norte, vila Valqueire do mesmo Rio de Janeiro, desfilava no bloco de sujos uma jovem senhora com pouco mais de 70 anos, que tinha uma energia conspirada em contos infanto-juvenis. Espremida na multidão que fazia a curva na rua, mas na audição da marchinha conhecida na voz de Cássia Elleres, ela cantarolava feito soprano, gesticulando com a mão direita, onde empunhava um sapo, e na esquerda a coroa de um príncipe momo - nada de rei gordo com abdome flácido. Pedia um beijo na promessa de transformar seu beijoqueiro em príncipe brejeiro de Valqueire. Ganhou vários singelos beijos e saiu maravilhada com seus pretendes. Bem provável que tenha acordado na quarta com o seu teto pintado na cor azul e sem nuvens no seu céu.   
O céu do Brasil, na quarta, estava cinzento. No país do mosquito e dos hospitais abarrotados de esfaqueados e baleados, sobraram fantasias rasgada e ilusões de amores vis. Conforme sentenciou meu poeta da mercearia, voltaremos a viver os sermões dos impedidos de folia e sem arroubos de genialidade, mas estaremos com a alma mais leve para enfrentar o ano que acaba de começar.

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