Noite dessa eu estava
com o pensamento pervertido, atravessado de cuíra por uma cerveja, querendo beliscar
um camarão após um dia excruciante, daqueles de arrancar o pelo, quando, a fazer contas
-noves fora- fui bater no “Boteco do Camarão” do chef Herlander Andrade, colega
de faculdade.
Quando peço mesa, eis que me deparo com Jorge Ivan, também parceiro de banco de
faculdade, sentado ao lado do Fonseca, outro-um. Puxei a cadeira, sentei e brindamos. Seguíamos ao deleite
de um camarão no bafo e uma deliciosa malte, servida pelo chef, quando Jorge Ivan me sai
com essa pérola:
- Sabe, maninho, uma das coisas que mais
eu tenho receio quando confabulo com algumas beatas ou cristãos fervorosos, é que
não me apetece a possibilidade de ir pro céu.
Eu, ainda com a massa cinzenta livre de
teor alcoólico, ajeitei a cadeira e pus-me a ouvir mais essa. Ele
prosseguiu.
- Perco o fôlego e chego a ficar sem
suspirar igual ao Luiz na foto (Luiz Augusto, também colega de faculdade que
costuma a tirar foto com o tórax hiperinsuflado). Penso
só da possibilidade de não torcer pro Botafogo. Ave Maria! Eu, hein! Não poder
espiar - até torcer todo o pescoço - quando passa uma mulher, só pra ver o
rebolado dela! Não poder arrotar e nem soltar um flato livremente. Que
sofrimento, credo! Sem aquela liberdade de coçar a região pudenda e nem fazer
pipi em pé! É o fim! Tirar o muco do nariz e ficar fazendo bolinhas com ela
entre os dedos, ou quem sabe saborear displicentemente igual ao técnico da
Alemanha. É o fim! Não poder tomar uma caipirinha de São Jorge, mesmo quando
caipira é aquela vizinha de fazenda, que por razões não se pode beber! Sabe,
não poder comer um camarão no bafo igual esse aqui do Boteco do Camarão ou da
fazendinha de Macapá. Sei lá! Não poder zapear ou assistir os vídeos ou fotos
de sacanagem que só tem no grupo da Choupana. Eu, hein, Rosa! Ou nem curtir as
estações das docas, andar no Djalma Dutra ou no Padre Eutíquio sem dar ou levar
uma esfregada. Sei não! Não assistir de camarote as fotos do nascer e do por-do-sol
do Normando, não voar no Flanar ou não poder ler as mal traçadas linhas do
Labareda ou do Corisco. Não poder me deleitar com a paixão do Mauro pela sua
amada Dilma. Eu hein, Zé! Prefiro ficar no meu inferninho a me perder por aí, enfim!
Comecei a rir e
anotar. Logo depois surge Dudu, o filho, de cara limpa, chave do carro, e diz:
- Pai, Te aquieta. Para de
beber, pai. Vamos pra casa.
- Relaxa, meu filho! Olhou pro ponteiro do relógio, fez pausa e disse:
- Tá bom. Já vou, mas vale lembrar, filho, que ainda bem que eu não
sou o único que bebo neste universo. Tampouco o único a delirar “humoradessa”... Graças à
Deus.
Abastecido do Camarão
no bafo e da cerveja bem gelada, peguei um táxi e fui pra casa e anotar mais
essa. Aninhei-me então neste espaço, envolvi-me numa coberta de fulgores literários
e caí num pesado reflexo do pensamento anticristo de boteco, aguçado pelo libelo do Jorge Ivan. Fui bater
em Umberto Eco em, o “O nome da rosa”, sua obra maior, para justapor ao
pensamento botecário do Jorge Ivan.
Entre uma página e
outra, me deparei com essa passagem que, data vênia ao
semiólogo, enterrado em fevereiro deste ano, transcrevo nessas mal traçadas
linhas:
“Os monstros existem
porque fazem parte do desígnio divino e, nas mesma feições horríveis dos
monstros, revela-se a potencia do Criador. Assim, existem por desígnios divino
também os livros dos magos, as cabalas dos judeus, as fábulas dos poetas
pagãos, as mentiras dos infiéis e a prosopopéia do Jorge Ivan”.