Quem
serve a uma revolução ara no mar...
Garcia Marquez, em: “O general em seu labirinto”
A colombiana Santa
Marta fica na divisa com a Venezuela. Lá, Simon Bolívar, o libertador da América,
encavernado numa tuberculose (TB) passou os últimos dias de vida.
Toda esta historiografia está em “O general em seu labirinto”, de Gabriel Garcia Márquez, ressaltando que "El libertador" relutou em aceitar tratamento médico. Uma prova: ”o doente piorou ainda mais no fim de semana, por causa de um copo de leite de jumenta que tomou por sua conta e risco, escondido dos médicos.”
Toda esta historiografia está em “O general em seu labirinto”, de Gabriel Garcia Márquez, ressaltando que "El libertador" relutou em aceitar tratamento médico. Uma prova: ”o doente piorou ainda mais no fim de semana, por causa de um copo de leite de jumenta que tomou por sua conta e risco, escondido dos médicos.”
Ressalta-se que a cura médica da TB ainda não existia e o que se fazia era
higiene pessoal, isolamento em área ventilada com janelões, particularmente em
região montanhosa, além de repouso, conforme o cenário de Thomas Mann em “A montanha
mágica”.
Bolívar morreu em 1830, quando ainda se falava em miasmas e pneumas, cuja TB se chamava Tísica. O bacilo foi descoberto somente em 1882 e dez
anos depois surgiram os primeiros tratamento efetivos - o cirúrgico-, destacando-se
as desconjuntadas operações de toracoplastias, em que se desmantelava o tórax retirando-se várias costelas. Foi somente em 1946 que apareceu
a primeira droga-alvo e a humanidade se livrou das mutilações cirúrgicas.
A casa
onde o general passou os últimos dias era simples. O seu quarto de sobrado dava
de frente para o mar. Tinha escarradeira, jarra dágua com toalha, cama e
banheira. A velha casa da alfândega, que se vê hoje para visitação, tem parede
amarela e dois quadros de pessoas que fizeram parte de seus últimos dias, entre
eles, dr. Reverend, seu médico de cabeceira. Há lá, esculpido em mármore carrara,
o mirrado corpo do general, para exposição e selfies.
Quem não
puder chegar até Santa Marta, que faça uma passagem pelas muralhas de Cartagena
das índias e visite a Ábaco – livros e café -, na Calle de la Mantilla. Foi o que fiz.
Fuçei até achar, por acaso, os 33 boletins médicos do dr. Reverend,
reunidos numa só apostila de 87 páginas, que retratam os últimos dias do general.
Na necropsia ele
descreve que suas pleuras estavam aderidas e seus pulmões endurecidos. O
direito, quando espremido, purgava um manancial da cor vinhosa. Tradução médica:
caverna tuberculosa.
O jovem médico tinha apenas 35 anos, havia chegado da França e tinha
responsabilidade do tamanho da Nova-Granada. O doutor assumiu o caso após
discussão com seus pares, que se cegavam à Tísica. Sem outros meios, o
diagnóstico se fazia no olhar clínico e a confirmação era somente pós-morte.
Bolívar tinha 47 de idade e muitas conquistas, mas dentro de sua humildade
dizia que tais vitórias não cabiam numa banda de sapatos.
Após o
enterro, outro general ofereceu ao médico, pela dedicação, o cargo de
cirurgião-chefe do exército. Ele respondeu: “prefiro minha liberdade a todo
emprego assalariado”. Ainda se negou a receber recompensa pecuniária. Disse que
fez por admirá-lo. Ficou junto dele até o último arfo. Logo após, desapareceu.
Ressurgiu em Paris, escrevendo tais relatos clínicos, em 1866.
Em 2010 os restos mortais de Bolívar, que se
encontram no panteão nacional da Venezuela, foram exumados por determinação de Hugo
Chávez, ao achar que havia conspiração e envenenamento, tal como ocorrera com
Napoleão Bonaparte. A análise levou ao diagnóstico radicalmente diferente ao
de Reverend, mas não confirmou a hipótese estilhaçada de Chávez.
Os ossos exumados foram devolvidos. O espírito do general, por destino, não
demorou a recepcionar o de Chávez, mas é improvável que no labirinto cavernoso
do subsolo do panteão, o déspota esteja maduro suficiente para entender que
conquista se faz com passos e não rasgando um boletim médico, ou a própria
constituição.
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