A verdadeira viagem de descobrimento
não consiste em procurar novas paisagens,
Estive no encerramento da Livraria Fox, que por alguns anos passou a fazer parte de minha rotina do ócio criativo. Virou comichão, quando me achava vazio de conhecimento, farto da rotina e precisando rever amigos. Por lá levei Dom Elias de Pindaré, cirurgião maranhense que tem desvio para a literatura, para tomar um café. Por lá me esbarrava com raras amostras de leitores: Corisco e Tito, os mais conhecidos.
Era início da noite. Estava socada de gente. Passei o olho naquele mundão e, de supetão, me
veio o indomável Augusto dos Anjos: “Vês! Ninguém assistiu ao formidável enterro
de sua última quimera”. Era o fim. A despedida.
Em
meu último momento fotografei do celular. Depois tomei rumo e atravessei a
dr. Moraes, em direção ao carro. Não comprei nada. Fui em estado de luto. Chovia forte e estava sem guarda-chuva, mas o que
menos importava ali era molhar-se. Ao apertar a ignição revi a luminária verde: Fox. Augusto
do Anjos saiu do inferno e mandou novamente: "Acostuma-te à lama que te espera!”.
Meu
principal objetivo ali sempre foi buscar o desconhecido. Faço sempre o mesmo
quando vou ao Rio, na livraria da Travessa, de Botafogo. Também em São Paulo - cuja livraria Cultura também acabou de falir -, Coral
Springs (Barnes&Noble), Londres, Paris – margeando o Sena. Tenho queda por sebos. Ali
sento e vejo o que não está na mídia. O bom é descobrir com os olhos de Proust. Na da Travessa descobri
Ilze Scamparini; na daqui mergulhei em excelentes autores, como Edyr Augusto. E agora, com o enterro
da Fox - como um Baudelaire ao longo do Sena -, onde flanar por livrarias?
A
flanagem literária é exercício de raridade - assim penso. Ela começa
desgovernada, ao léo, e vai tomando prumo à medida que se identifica determinado
autor, tema, até que você se vê enfronhado nas páginas de um
livro.
Então
me veio a pergunta - enquanto a chuva caía e já dobrando a primeira esquina: qual seria o primeiro livro a me encantar depois do fim da Fox? E não
é que naquela mesma noite, meu irmão, por uma navalhada do destino, presenteia-me uma autora desconhecida e amiga dele!
Impossível juntá-los, perdem arestas.
A química me despedaça.
Os
átomos entram para curar.
Matança de construções biológicas
para alcançar fugitivas nos labirintos.
Corpo
ligado à alma por fio em curto-circuito.
Ninguém
vê pedaços rolando da falésia terracota.
Uma
vida inteira para desmanchar. Só deslizar da mesma secura.
Sem
descanso, arrimo, brisa, noite. Devagar.
O livro chama-se “Chão de mangue”. A autora
é Simone Lopes. Para quem tem quereres por Machado de Assis, vê-se traços
que testemunham a sutileza de nosso inconfundível escritor. Entretanto, o que
me mais me fisgou foi como a personagem Marisa tratou o câncer de mama com disciplina em suas dores e obstáculos; sem pieguices. Pudera, Marisa é uma
professora de gramática e sabe o quanto significa a boa escrita... E sabe também quanto pesa obedecer a boa ciência médica.
A capa é de bom gosto e lembra raízes do mangue, mas poderia muito bem representar os ductos lactíferos da glândula mamária, por onde escoa o néctar que alimentará a vida.
Quando a delicadeza do final do livro surgiu, fez-se silêncio em minha poltrona de leitura. Eu estava só, a me perguntar como a dinâmica da contextualização é capaz de vestir as horas enquanto se lê. Senti-me preso àquele momento e minhas pobres raízes agarraram-se em meus dilúvios. Durante toda aquela leitura, meu santo bateu asa e foi morar no Atacama.
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