segunda-feira, 17 de abril de 2006

Limites

Na Folha de São Paulo hoje, um interessante artigo fala sobre a propaganda farmacêutica em hospitais públicos.

PROPAGANDA NO HOSPITAL
Relações promíscuas entre a indústria farmacêutica e médicos não são propriamente uma novidade no Brasil nem no mundo. Os dois lados precisam interagir. Definir os limites éticos desse relacionamento é o grande desafio.Reportagem publicada pela Folha mostrou que grandes hospitais universitários como o Hospital das Clínicas (HC) de São Paulo cobram uma taxa de R$ 10 de representantes de laboratórios para cadastrá-los, o que lhes dá o direito de circular livremente pelas dependências da instituição. O HC conta hoje com 300 propagandistas registrados.É claro que a indústria tem o direito de promover os seus produtos. Mais do que isso, deve-se reconhecer que os laboratórios desempenham um papel importante na educação continuada de médicos, ao mantê-los informados de avanços farmacológicos e técnicos.Tais considerações, porém, não impedem que se julgue inadequada atuação assim tão ostensiva de parte da indústria. Hospitais públicos devem ser um ambiente tão asséptico quanto possível, no qual profissionais possam aplicar seu raciocínio clínico livres da ofensiva mercadológica imediata. Isso é especialmente verdade para jovens médicos em fase de formação, cujo espírito crítico ainda imaturo não os imunizou contra o assédio publicitário que apenas começam a enfrentar.Se os laboratórios querem oferecer a médicos literatura técnica, amostras grátis e outros regalos, devem fazê-lo fora de hospitais e centros de saúde públicos, onde por vezes ainda disputam com pacientes a atenção dos profissionais da saúde.Interessa aos próprios laboratórios definir com clareza os limites da publicidade legítima, para que não possam ser acusados de condutas antiéticas. Por isso, associações médicas e a indústria devem conversar e chegar a uma auto-regulamentação que seja efetivamente cumprida.


Há algum tempo, esta questão já vem sendo discutida. Pessoalmente acho a opinião do articulista perfeita. Não se trata de impedir o trabalho do representante farmacêutico. Mas de impor limites à sua atuação, evitando o momento vulnerável do estudante de medicina nos Hospitais Públicos e Universitários (em especial). Nada contra sua atuação em hospitais privados, onde podem atuar com tranquilidade.

6 comentários:

Anônimo disse...

Este é um assunto gravíssimo que tem merecido atenção internacional. A força da grande indústria da saúde tem ameaçado o equilíbrio exigido para o ensino e a prática médica. Aspectos éticos nessa relação não saudável são os menos valorizados e quem sofre mesmo é o paciente e a profissão médica relegada a condição de campo de mercado. Por outro lado, a voracidade com que as indústria farmacêutica se atira sobre os médicos termina por enfraquecer os sistemas de saúde, públicos ou privados, levados a reboque para incorporar tecnologias que nem sempre são seguras, eficazes ou possuem boa relação de custo-efetividade. Daí porque discordo que alguma parcimônia devem merecer os pracistas nos hospitais ou serviços de saúde privados.
Para termos a dimensão do poder de fogo de uma grande indústria farmacêutica, capaz de afrontar até agências governamentais de regulação e reduzir o coletivo médico a operadores de receituário, basta lembrarmos do que aconteceu com o Vioxx. Segundo denúncia de um Deputado da Califórnia, publicada na íntegra na seção de cartas do prestigiado New England Journal of Medicine ( 353:1420-1421, Sep 29, 2005)a indútria farmacêutica norte-americana dispende mais de U$5,5 bilhões /ano em propaganda de medicamentos para os médicos. Trata-se de uma quantia absurdamente elevada e representa mais que o gasto total das escolas médicas norte-americanas com seus estudantes de graduação! A gravidade não se limita, entretanto, a esse aspecto importante. As principais indústrias farmacêuticas norte-americanas empregam cerca de 90 mil vendedores, o que estabelece a proporção de 1:4,7 médicos.
Embora esses fatos sejam importantes para dimensionar a hipertrofia institucional da indústria farmacêutica, o denunciante agrega outras questões gravíssimas que desmontam a já clássica alegação dessa indústria de contribuir para a formação médica. Segundo o missivista a Merck instrui seus vendedores a disponibilizar a classe médica estudos autorizados para divulgação. Estudos científicos aprovados são definidos como aqueles que apresentam existência de sólida evidência científica que justifique sua prescrição. Por outro lado, estudos que avaliam a segurança das drogas não são recomendáveis para divulgação e fazê-lo representa " uma clara violação dos princípios da empresa". Segundo a denúncia, a Merck também identifica entre os médicos potenciais formadores de opinião e os convida para participar de eventos educacionais (Palestras, Simpósios, Congressos, etc). Após esses eventos, os propagandistas também são instruídos para monitorar se os que lá compareceram incorporaram a sua prática clínica a prescrição dos medicamentos alí apresentados.
Preocupados com esse abuso da indústria farmacêutica a respeitada Associação Norte-Americana de Estudantes de Medicina, que reúne cerca de 50 mil estudantes, iniciou uma campanha nacional de conscientização, chamada PHARM FREE, que pretende conscientizar os estudantes quanto aos riscos levados pela indústria farmacêutica à prática médica.
No Brasil, o Ministério da Saúde está atento ao problema da incorporação não criteriosa de tecnologia em saúde e tem buscado com ousadia preparar o país para esse desafio. No ano de 2005 financiou a implantação da Rede Nacional de Pesquisa Clínica constituída de 17 centros em Hospitais de Ensino distribuídos no Sul, Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste. Trata-se de um projeto da ordem de 30 milhões de reais que pretende em dois anos estruturar a rede e faze-la auto-suficiente para vender serviços ao complexo produtivo da saúde. Entre os objetivos dessa rede está em dominar todo o ciclo de ensaios clínicos realizados nos Hospitais de Ensino, empoderando profissionais que passarão a não mais apenas reproduzir protocolos trazidos pelas grande indústria farmacêutica. A primeira grande pesquisa está sendo formatada em reunião da Rede realizada desta vez em SP. Trata-se de pesquisa sobre a aplicação do Interferon peguilado na Hepatite C. Infelizmente, a Região Norte não teve projetos qualificados para financiar seus centros. Contudo, considerando sua estratégia para a região, liberou recursos para que o Hospital Barros Barreto se preparasse para em curto prazo integrar a Rede Nacional de Pesquisa Clínica.
Para 2006, também o Ministério da Saúde estará fazendo investimentos para capacitação de pessoal na área de avaliação de tecnologias em saúde (Especialização e Mestrado) e também financiará a implantação da Rede Brasileira de Avaliação de Tecnologias em Saúde.
Essas medidas proporcionarão uma mudança cultural que permitirá proteger a categoria médica e outras profissões da saúde de abusos promovidos pelas empresas do mercado da saúde.

Carlos Barretto  disse...

É-GU-A, anônimo. Isso definitivamente não é mais um comentário. Mas um tratado muito bem escrito que merece a publicação. Como já te disse, vc a cada dia se supera como anônimo.
Teria algumas considerações mesmo a fazer sobre este ponto de vista, incluído aí o exemplo americano.
Mas vou deixar para fazê-lo mais tarde.
Abs

Anônimo disse...

É foi abusivo, eu sei, e peço desculpas. Mas esse assunto merece o destaque dado por você e sua discussão é importante para nos conscientizarmos do problema.
Abs.

Anônimo disse...

Mas, não devemos esquecer uma outra dimensão do problema. A influência da grande indústria farmacêutica no financiamento de pesquisas (são os maiores financiadores).
Hoje, nos EUA, tem havido sérios problemas nesse aspecto que tem sido denunciado em reuniões e encontros de pesquisadores. Entres eles é comum denúncias de que estudos concluídos não publicados, porque contrariam os interesses do financiador. Há também problemas com patentes. De Comitês editoriais sob pressão. Etc.
O conflito de interesses não é brincadeira, trata-se de um mundo nem sempre tão brilhante quanto parece a primeira vista, tem lá suas áreas de sombra e, como é o caso do Vioxx, pode ter conseqüências bem sérias.
A propósito, você assistiu o Jardineiro Fiel? Veja-o, pois vale a pena.

Carlos Barretto  disse...

Sem dúvida, anônimo. Estas e outras questões devem estar na pauta de regulamentação que deve ser criada para impor limites a esta atuação. São questões pontuais que devem ser regulamentadas. Agora vejo com descrédito e com grande potencial de desmoralização qualquer lei que venha a ser criada de maneira muito ampla, pois nada impede que a atuação dos profissionais da indústria farmacêutica continuem atuando junto à categoria médica. Além do mais, vítima desta propaganda há muitos anos, nunca me vi compelido a prescrever NADA que não fosse de fato útil, de qualidade e (sempre que possível)barato aos meus pacientes. E NADA continuo a prescrever que não tenha alguma referência em trabalhos internacionais amplamente aceitos em congressos e publicações médicas afamadas. 100% do material entregue por aqueles profissionais, vai quase que direto pro lixo, sem dó nem pena. Um ensino médico de qualidade, que deve também ser uma preocupação da dupla MS/MEC é o principal antídoto a estas reconhecidas vulnerabilidades.
A propósito, ainda não vi o "Jardineiro Fiel".
Abs

Anônimo disse...

Sugiro-lhe a leitura desse texto publicado em Carta Maior. Se achar conveniente é interessante posta-lo no blogue:http://cartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3039&alterarHomeAtual=1

Abs.