quinta-feira, 14 de dezembro de 2006

Exercitando a medicina

Nosso colaborador bissexto, o médico Aristoteles Miranda, envia mais um artigo, onde comenta o predomínio da máquina em detrimento da relação médico-paciente. Um texto que certamente suscitará discussões.


EXERCÍCIO SOBRE O EXERCÍCIO DA MEDICINA
Aristóteles Miranda*

A medicina, como as demais profissões e tudo na vida, sofre modificações e as influências de cada época. Se antes era vista como sacerdócio, mais tarde passou a ser considerada misto de ciência e arte. O advento da sociedade pós-industrial levou-a ao estágio de uma relação de prestação de serviços, como produto oferecido a um exigente consumidor.
Apesar de tais mudanças de enfoque, permanece fora de discussão a necessidade da aplicação de princípios humanistas para o perfeito desempenho da profissão médica.
O que se observa, na prática, é bastante diferente da tese acima proposta. Incontestavelmente há profissionais extremamente competentes em suas áreas de atuação, detentores de currículos invejáveis, que aliado à parafernália tecnológica oferecida — de questionável alcance social, no geral — colocaram a medicina num impressionante patamar de desenvolvimento.
Se por um lado tal desenvolvimento amplia os horizontes e perspectivas da ciência médica, por outro constata-se o decréscimo dos valores humanísticos por parte dos atuais médicos.
Esta situação é vivenciada e referida, cada vez mais, pelos pacientes, que ao procurarem os profissionais em seus consultórios deparam-se com alguém por trás de um computador (ou até mais de um), aplicando um interrogatório estéril para o preenchimento de um ficha ou inserindo dados em determinados programas “diagnosticadores” — algoritmo, para os mais íntimos. Tudo em substituição a uma boa anamnese individualizada e personalizada; quase sem olhar para o paciente; muito menos, tocá-lo. E a consulta se completa com uma bateria de exames, independente das queixas apresentadas, o que, registre-se, faz a delícia de muitos pacientes. E marque-se o retorno para depois de trinta dias, pois é quando os convênios permitem a cobrança de nova consulta e quando os laudos e resultados dos exames serão apenas lidos, nem sempre interpretados correlacionando-os clinicamente.
Tal descrição é a de um atendimento diferenciado em consultório e não na rede pública. Nesta as coisas são bem diferentes pela deficiência de recursos e pela falta de interesse de muitos profissionais.
É obvio que existem médicos dedicados na rede pública. E o reconhecimento pelo seu trabalho é feito pelos muitos pacientes que procuram seus serviços, o que significa atender mais, no mesmo tempo e pelo mesmo salário. Maravilha para o gestor, que contabiliza um número maior de consultas, independente da resolutividade destas por conta dos medicamentos e recursos diagnósticos quase sempre em falta. E os que atendem rápido, os que atendem mal, os que faltam costumeiramente, etc., acabam sendo recompensados, financeiramente até, em termos proporcionais.
Mas esta já é uma outra história... Voltemos aos consultórios “high-tec”, bem decorados, luxuosos e até bem equipados. O paciente ao retornar à consulta, sobraçando os exames, ouve a sentença mágica e nem sempre a desejada: “o senhor não tem nada! Procure outro especialista”. E lá se vai o cidadão em busca de outro médico, no intuito de obter uma solução para seus problemas, ou pelo menos uma resposta mais consistente e convincente.
Até parece que esqueceram que o paciente precisa bem mais que um lote de exames. Às vezes precisa menos destes do que alguém que o ouça, que o olhe, que o toque e que, depois, procure interpretar os exames determinados e mais específicos, buscando a confirmação da hipótese diagnóstica levantada, por conta de um raciocínio clínico a partir de uma anamnese bem feita.
Será que já não se ensina mais como colher uma boa história? A examinar um paciente? A auscultá-lo, palpá-lo ao menos? Será que estamos, cada vez mais, nos restringindo à mera leitura de laudos, deixando de lado questões subjetivas de cada situação clínica; as nuances psicológicas de cada ser humano, o que, na grande maioria das vezes, é o fundamental para o diagnóstico? Será que estamos fadados a aceitar os resultados das máquinas como sempre exatos e definitivos?
A serem verdade tais assertivas estaremos caminhando para a atuação como técnicos em medicina em contraponto à grandeza e à profundidade do exercício desta como profissão. É um caso a discutir e a pensar. Ou aguardaremos que alguma máquina também o faça por nós?

Um comentário:

Anônimo disse...

Chamem o Doutor Duciomar!