domingo, 30 de março de 2008

Belo Centro

O Liberal de ontem traz reportagem sobre o importantíssimo trabalho de diagnóstico da potencialidade de habitação do Centro Histórico de Belém que os arquitetos e professores da UNAMA Paulo Ribeiro e Antônio Lamarão realizam, em conjunto com a COHAB, a Secretaria de Estado de Desenvolvimento Urbano e Regional e alunos do último ano do curso de Arquitetura da instituição.

Sob o título Como valorizar o centro histórico?, a matéria já havia sido antecipada aqui no Flanar em 26 de outubro do ano passado. Segue a reportagem do jornal das ORM:

Desafios

Pesquisa enumera responsabilidades políticas e de morador com o início de Belém

Aline Monteiro

Da Redação

Qual a infra-estrutura urbana presente hoje no Centro Histórico de Belém? Essa é a pergunta inicial de que partem os cerca de 50 alunos do quinto ano do curso de arquitetura da Universidade da Amazônia (Unama) que elaboram um diagnóstico dos bairros da Campina e da Cidade Velha, como base para uma proposta de intervenção. A pesquisa é restrita a um trabalho acadêmico e tem como finalidade principal a formação profissional, mas levanta a discussão sobre quais as funções essa zona urbana deveria assumir e as demandas da população em relação a ela.

No trabalho, os acadêmicos de arquitetura levantarão aspectos como circulação, áreas de estacionamento, pontos de táxi, circulação de pedestres, uso e ocupação do solo (residencial, comercial ou misto), estado de conservação dos imóveis, arborização, presença de mobiliário urbano (como telefones públicos, bancas de revista, postes, lixeiras e caixas de correio), etc. Para os professores Paulo Ribeiro e Antônio Lamarão, embora não tenha a função de preencher lacunas de informação para os órgãos públicos - e Paulo diz que informação existe bastante sobre o centro histórico, ainda que não sistematizada -, o trabalho ajuda os futuros arquitetos a constituir uma visão do centro dentro de uma abordagem urbana, em vez de restrita aos edifícios. 'Todos os projetos de intervenção que já foram feitos no centro histórico são abordagens micro, ações pontuais, como a recuperação do Ver-o-Peso, a (rua) João Alfredo, o projeto do Belo Centro, o Espaço Palmeira, o Feliz Lusitânia. O que acontece na maioria dos casos é que os projetos têm um certo período de vida, mas os espaços acabam voltando para a situação anterior e de forma agravada. Isso porque falta a visão de conjunto e a ação articulada dos órgãos públicos nas diferentes esferas. Está faltando ver esses espaços dentro do contexto da cidade para saber que tipo de função devem ter', opina Lamarão.

Paulo Ribeiro faz esse questionamento fundamental a respeito do centro histórico: 'Será que todas as funções que hoje se desenvolvem lá deveriam estar no centro? Por exemplo, o Ver-o-Peso é um entreposto de comercialização de pescado de dimensões nacionais. Há gente que vai ali para buscar peixe que será vendido em São Paulo, mas existe por isso uma circulação muito pesada de caminhões fazendo esse transporte, e sem um entreposto com condições sanitárias, com controle fiscal. Será que esse hoje ainda é o lugar mais adequado a esse comércio?'. Lamarão também provoca a reflexão a respeito da organização do comércio, especialmente no bairro da Campina. 'O comércio já mudou, com a transferência das lojas de luxo para os shoppings e centros de compra como a avenida Braz de Aguiar. Talvez o comércio popular seja o caminho do centro, mas precisa ser bagunçado do jeito que é?'

DIAGNÓSTICO

Se considerarmos o que diz o projeto de lei do Plano Diretor do Município de Belém que atualmente tramita na Comissão de Obras da Câmara Municipal, o Centro Histórico - cujos limites são definidos pela Lei de Desenvolvimento Urbano, a Lei 7.401, de 29 de janeiro de 1988, e que constitui conjunto arquitetônico e paisagístico tombado pela Lei Orgânica do Município de Belém - foi caracterizado como uma área com infra-estrutura consolidada, mas com problemas a resolver como a mobilidade reduzida, degradação paisagística e ambiental, edificações históricas descaracterizadas e grande número de imóveis desocupados ou subutilizados. Elaborado a partir de um processo de discussão com a participação popular, o projeto revisa o plano em vigência desde 1993, e define o instrumento básico da política urbana do município.

Pelo PDU, a área do centro foi dividida em três, com diretrizes diferenciadas. Na parte onde tradicionamente se desempenham as funções de centro comercial, administrativo e de serviços, a indicação é requalificar e conservar o núcleo histórico, melhorar a infra-estrutura e estimular o uso habitacional, a partir da promoção de programas habitacionais. Num segundo setor, caracterizado pelo uso misto (residencial e comercial), predomínio de ruas estreitas e diversidade arquitetônica, um dos objetivos é deter a degradação dos imóveis históricos, controlar o adensamento das construções e melhorar a acessibilidade. Na área da orla, o plano propõe desestimular o uso habitacional, eliminar o risco das ocupações precárias, a recuperação de áreas degradadas, e o estímulo a atividades turísticas e culturais.

Morador reclama ações públicas

Quem transita pelo centro ou mora por lá espera pelo avanço das políticas públicas. Como o estudante Enerson Cardoso, 21, que há um ano e meio trocou São Luís por um apartamento na rua Manoel Barata, onde mora com a mãe e o irmão caçula. 'Minha mãe morava no Tapanã, mas veio para cá porque é menos perigoso. Mas não acho bom. De dia, tem muito barulho, começou a movimentar o comércio, tem que acordar, não tem jeito. De noite é tranqüilo, silencioso, mas não tem aquela coisa dos outros bairros, de visitar o vizinho, tomar um café, conversar. Também não tem muito o que fazer por aqui. Quando chega o final de semana, vou para a casa da minha namorada, que fica no Jurunas', diz o rapaz.

Sacristão na Igreja das Mercês, uma das mais antigas de Belém, ele tem por lá uma boa referência sobre os problemas diários do bairro. 'Há a violência e as drogas, muito consumidas pelos moradores de rua, que acabam cometendo furtos por causa da droga. É um problema que existe em outros bairros. Mas aqui na igreja não existem grupos trabalhando com essas pessoas. Existe uma dificuldade de criar pastorais, porque essa é uma igreja de trânsito. Normalmente quem vem aqui são as pessoas que trabalham no comércio, que assistem à missa no horário de almoço, turistas e estudantes, por conta do aspecto histórico da igreja.'

Também moradora da Manoel Barata, a arquiteta Marília Fonseca está prestes a deixar a casa que por anos pertenceu à família do marido, especialmente pela exigência das duas filhas mais novas, de 13 anos, que anseiam por vizinhos. 'São são quem reclama mais. Querem morar em prédio. Aqui, quando chega final de semana, se mandam para a casa de colegas. O mais velho, que tem 20 anos, já está acostumado, mas para elas é mais complicado.'

Marília diz que a família nunca teve problemas com segurança, mas que o barulho constante, a poluição visual e o descaso da maioria dos comerciantes com os prédios de caráter histórico incomodam, assim como o tempo gasto no trânsito para deixar as meninas no colégio. 'Por outro lado, tudo é perto. Para comprar ou resolver qualquer coisa, tem o comércio aqui ao lado', pondera, dizendo, no entanto, que não vai sentir falta do local.

INFRA-ESTRUTURA

A falta de infra-estrutura citada por Enerson e Marília é um dos maiores entraves quando se pensa no estímulo à habitação no bairro, que é vista por muitos como uma ocupação essencial para resolver o problema da conservação em sítios históricos. Talvez por isso a implantação de projetos de requalificação de antigos edifícios comerciais para prédios residenciais seja mais lenta. 'Há projetos interessantes, como o que a Caixa Econômica fez no prédio Justo Chermont, em frente ao Arquivo Público. A Companhia de Habitação do Pará também está fazendo um estudo de oferta e demanda para projetos residenciais no centro. Mas a visão de investimento não pode ser só o prédio, tem que ser pensado o espaço. É verdade que o centro carece desse comércio voltado para a habitação, como padarias, pequenas locadoras', diz Paulo Ribeiro, enquanto Antônio Lamarão completa: 'A criação dessa infra-estrutura precisa acompanhar esses projetos, senão, daqui a pouco, as pessoas começam a demandar coisas que não vão encontrar e aí começam a abandonar os prédios.

2 comentários:

Itajaí disse...

Lamarão é um técnico de alta competência e seriedade profissional. Torçamos que dê certo, especialmente com a renovação na PMB.

Francisco Rocha Junior disse...

Oliver, o projeto, em sua face acadêmica, realmente tem tudo para dar certo.
Paulo Ribeiro, o outro arquiteto envolvido, é também um profissional fabuloso.
O entrave, no entanto, realmente está em saber se a PMB materializará algo, a partir do resultado dos estudos. Com este prefeito que aí está, acho difícil.