domingo, 2 de março de 2008

Botando as barbas e togas de molho

O Conselho Nacional de Justiça - que já nos proporcionou algumas alegrias - está em via de nos dar mais uma: dentro de dois meses deve ser lançado um sistema de monitoramento da produtividade dos juízes estaduais, em todo o país, permitindo inclusive um acompanhamento em tempo real, afirmam. Adiante, o sistema será ampliado para as Justiças Federais comum e trabalhista. Leia a notícia oficial do CNJ aqui.
Com isso, teremos mecanismos para saber quem são os magistrados que fazem corpo mole e, a despeito de receberem polpudos vencimentos, levam anos e anos para decidir questões, mesmo os mais simples. As desculpas, velhas de guerra, são sobejamente conhecidas: excesso de processos, carência de infraestrutura, legislação processual obsoleta, etc. Tudo verdade, claro. Mas a sabedoria popular ensina que quem quer fazer uma coisa arranja um jeito; quem não quer, arranja uma desculpa.
Para falar do Judiciário, contudo, é preciso conhecer um pouco a sua trajetória.
Há algumas décadas, o que dava status e retorno financeiro era ser advogado. Ser juiz era prejuízo. Trabalhava-se muito, ia-se para os cafundós do Judas, não se tinha reconhecimento. Além do mais, não havia concurso público e os bacharéis tornavam-se magistrados mediante decretos do Poder Executivo. Por isso, ao contrário do que poderia parecer, assumiam a magistratura os bacharéis que não tinham sucesso como advogados, inclusive por incompetência. As bacharelas, por sua vez, como tinham menos espaço numa atividade dominada por homens, tornavam-se juízas. Acredite, é por isso que, no Pará pelo menos, é tão grande o número de magistradas.
Somente com a Constituição de 1988 a carreira da magistratura foi organizada (assim como a do Ministério Público). A tão ansiada respeitabilidade chegou e os salários se inscreveram dentre os mais badalados da República. A situação assumiu os contornos que têm hoje, com milhares de pessoas cursando Direito e sonhando com concursos públicos. E a advocacia foi ficando para escanteio, ao ponto de muita gente pensar - e dizer em voz alta - que só faz carreira como advogado quem fracassou nos concursos. Palhaçada.
Esse histórico explica porque muitos que envergam togas se acomodaram na função. Não foram selecionados por mérito, não se lhes exigiu reciclagem de conhecimentos e, mesmo assim, ofereceu-se-lhes uma remuneração que, no começo da carreira, gira em torno de 15 mil reais. Ócio e acomodação explicam muita coisa.
Hoje, tornam-se juízes os bacharéis aprovados em concursos complexos e exaustivos. Para promoção, exigem-se títulos e, por isso, é cada vez maior o número de juízes fazendo pós-graduação. Ou seja, a qualidade aumenta. O perfil começa a mudar, já não era se em tempo. Mas há muito a caminhar, ainda.
Por isso, muito felizmente, o CNJ vai marcar em cima. Dos novos e dos velhos. Espero que a constatação dos abusos renda alguma conseqüência prática.

4 comentários:

Hellen Rêgo disse...

Será que agora vai caminhar Yúdice?
Espero que não seja como uma certa semana de conciliação que aconteceu no final do ano passado. Saiu um monte de sentenças. Cada uma melhor que a outra...
Abraços

Yúdice Andrade disse...

Ainda que mais lentamente do que o possível, e muito mais do que desejamos, de algum modo caminhará. A idéia da postagem é mostrar que, a duras penas, e ainda que com muitos interesses contrariados, mesmo um país como o Brasil avança alguns passos.
Quanto à semana de conciliação, da qual só escutamos notícias oficiais positivas e empolgadas, o que foi que ocorreu? Fiquei curioso. Abraços.

Hellen Rêgo disse...

Uma das semanas de maior produtividade do Poder Judiciário, segundo notícias do próprio, rendeu algumas sentenças que consideramos verdadeiras aberrações do mundo jurídico e para mim muita dor de cabeça, com pilhas e pilhas de recursos. Recordo de um em especial, do JEF. Tratava-se de um pedido de aposentadoria rural por idade, que tramitava desde 2005, em que a lei determina que o inicio de prova material seja corroborada, obrigatoriamente, pelas provas testemunhais para comprovação do tempo de serviço, não cabendo somente um ou outro para concessão.
O juiz fez o favor de dispensar as testemunhas, sob a alegação de que não havia “serventia” para o processo (essa foi a palavra), e depois indeferiu o pedido, sob a alegação de falta de provas para a comprovação do tempo de serviço. Vale ressaltar, que mesmo com o timbre e assinatura, eletrônica, a referida “sentença” ocupava meia folha.
Muitas sentenças saíram, de fato, nessa semana. Pena que não com a qualidade e cuidados necessários.
Conheço os problemas da morosidade da Justiça brasileira, mas receio que na ânsia de mostrar produtividade, piore a situação...
Posso te mandar algumas dessas raridades depois. Fiz questão de guarda-las.
Abraços.

Yúdice Andrade disse...

Por favor, Hellen, manda sim. Vou gostar de ver. O caso citado é realmente assustador. Abraços.