A presidente da Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Pará, Ângela Salles, deveria ter mandado representante e não comparecido espontaneamente à entrevista do Bom Dia Pará de hoje. O tema era racismo, a partir do caso do preparador físico que teria ofendido um gandula por motivos raciais. A insegurança da colega perante as questões que lhe eram apresentadas saltava aos olhos. Salles, que me conste, jamais foi criminalista, ao contrário do irmão, o meu querido Egidinho, que também milita nessa área.
Meu espírito de professor não se conformou com a entrevista, o que me leva a tecer algumas considerações, para uma boa informação do público e para mostrar que o Direito pode ser acessível ao cidadão comum.
1. Antes de mais nada, é preciso diferenciar. Entende-se por honra subjetiva a auto-estima, a avaliação que cada indivíduo faz de si mesmo, acerca de suas qualidades físicas, intelectuais ou morais. A violação da honra subjetiva pode constituir crime de injúria, quando ofendo alguém perante si mesmo, chamando-o por exemplo de "aleijado", "burro" ou "vagabundo", com específica intenção de ofender.
2. Já a honra objetiva corresponde à imagem pública do indivíduo, ou seja, sua reputação. A violação da honra objetiva tipifica os crimes de calúnia ou difamação, quando atribuo a alguém fatos ofensivos (e não atributos negativos, como na injúria) ao conceito que goza perante a sociedade.
3. O Código Penal prevê a chamada injúria preconceituosa, quando a ofensa se baseia em elementos "referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência", prevendo penas de 1 a 3 anos de reclusão e multa (art. 140, § 3º). Já os crimes de racismo estão previstos na Lei n. 7.716, de 1989, e se caracterizam quando você cerceia direitos de uma pessoa, por motivo racial. Ou seja, é crime dificultar o acesso de pessoa a cargos públicos para os quais tenha sido aprovada, negar emprego, impedir o acesso ou negar atendimento em qualquer tipo de estabelecimento comercial ou esportivo, inclusive restaurantes e afins ou salões de beleza, negar matrícula em instituições de ensino, negar acesso a meios de transporte ou às áreas sociais de edifícios, dificultar o acesso às Forças Armadas ou obstar o casamento ou a convivência social - sempre por motivos raciais. Também é crime de racismo praticar ou incitar a discriminação (fazer apologia, por meio de sítios como o Orkut, blogs ou vídeos como o que o Oliver postou esta semana).
4. Somente os crimes previstos na Lei n. 7.716 são imprescritíveis e inafiançáveis.
5. Uma das exigências para a caracterização dos delitos contra a honra é a determinação das vítimas. Só há crime dessa espécie se a ofensa se dirige para uma ou mesmo várias pessoas, passíveis de individualização. Não há crime se digo, por exemplo, que todo torcedor de certo tipo é marginal, mas há crime se eu disser que os caras que moram nesta casa são marginais, porque no primeiro caso não há meios de identificar com precisão todos os torcedores do tal time, nem tem a menor credibilidade que sejam todos farinha do mesmo saco. Já no segundo caso, é fácil determinar quem são os homens que moram em certa casa.
Obviamente, estas informações não são de conhecimento geral, mas toda área do conhecimento possui seus conceitos e regras próprios, desconhecidos do leigo. É só achar um jeito de torná-las simples à compreensão de todos.
5 comentários:
Quando ocorreu o fato entre o preparador físico e o gandula, as rádios que estavam transmitindo a partida de futebol anunciavam como racismo... eu estava ouvindo a narração do jogo. Como estou exatamente nesse semestre estudando os crimes contra a honra, discordei imediatamente da tipificação.
Avê, amado mestre, você colocou a questão da forma que merece. Sua sapiência tranformou em pó de traque a pesporrência da nossa querida presidente da OAB/PA.Parabens.
Coisa de bom aluno, Ivan. Tu sabes onde pisas.
Anônimo, não creio que a presidente tenha sido arrogante. Pelo contrário. Acho que compareceu à entrevista por ser presidente, dispensando um representante. Um erro de avaliação. E nesse caso, sem dolo, sem crime.
Eu assisti à entrevista. Pensei em escrever algo a respeito, mas vi que as gafes tinham grandes probabilidades de serem comentadas por ti, Yúdice. Além do mais, evito comentar assuntos de domínio de meu ilustre mestre de Direito Penal. Sou prudente. Já pensou eu escrever bobagens e o meu professor ler? Seria desolador para mim; e para ele que foi meu professor, é claro!
Pode até ser que um dia isso aconteça. Mas por enquanto não.
Valeu, amigo! Esclarecedor.
Pois devias ter feito o texto, Fred. Estás plenamente capacitado a isso, claro. Além do mais, um Código Penal aberto ao lado e a ausência de pressão de ter um apresentador maluco em frente fazem toda a diferença. Abraços.
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