quarta-feira, 4 de junho de 2008

Bobagens em tempos de tecnologia

Já que tecnologia é um dos focos do Flanar, permitam-me falar um pouco sobre amenidades relacionadas ao assunto.
No último sábado, terminou a novela Duas caras. Uma cena que chamou minha atenção foi percebida no mesmo sentido por outras pessoas, daí que resolvo comentá-la. Em um capítulo final recheado de bobagens, sugestivas do declínio criativo do autor Aguinaldo Silva, a personagem Branca (Susana Vieira) recebe uma carta - isso mesmo, uma carta! - de sua filha psicótica surtada (Aline Moraes, com aquela detestável franja).
Vendo a cena, imediatamente pensei: "Mas quem ainda escreve cartas?"
É certo que há muitas pessoas que ainda não passaram e provavelmente nem passarão pelo processo de inclusão digital. Mas hoje, em que até escolas públicas têm lá o seu computadorzinho e as lan houses existem em quantidade e oferecem serviços a preços módicos, quem eventualmente precisasse mandar uma mensagem importante acabaria conseguindo. O fato é que uma mulher tão instruída, pós-graduada, rica e foragida da polícia certamente não usaria o velho recurso, mesmo dispondo de uma caneta especial cuja tinta se apaga sozinha, em cinco minutos!
Também é curioso que uma foragida (cometera uma tentativa de homicídio) prefira uma carta, cujo selo contém um carimbo informando a agência onde a missiva foi postada, além da data, facilitando o rastreamento. Ela poderia criar contas apenas para essas comunicações, nos mais diversos servidores, dificultando o rastreamento. Não impede, mas dificulta. Se bem que uma pessoa que foge para a mesma cidade em que morou vários anos, em que tem relações e que adora acima de tudo não está exatamente tentando se esconder.
Enfim, nada explica a implausível decisão do teledramaturgo. A cartinha de Sílvia serve de concessão ao romantismo de uma época que não volta mais. Namorados não escrevem mais cartas de amor. E a sorte dos Correios é que, com o comércio eletrônico, uma profusão de entregas diárias garante a sua viabilidade econômica.
Se você fosse escrever o último capítulo, que meio de comunicação usaria? Se a novela fosse minha, eu não usaria nenhum. A doida fugiria e não daria satisfações a ninguém. Mas se é para aloprar, então ela mandaria um bilhete, dentro de uma garrafa, que seria jogada no mar da Côte d'Azur. Como esse bilhete chegaria nas mãos da destinatária? Ora, não me aborreça com esses detalhes insignificantes!

5 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Este seu post está absolutamente hilário, Yúdice. Parece que estou te ouvindo falar. Mesmo sem nunca tê-lo feito. Espero não me decepcionar quando o fizer. Mas estou seguro que não. É como aqueles personagens de Asterix, o Gaulês. Quando vi o filme pela primeira vez, fiquei p... da vida. As vozes nada tinham com aquilo que eu idealizava. Nunca mais assisti a nenhuma animação deles. Preferi ficar com a imagem idealizada dos quadrinhos. (Não leve isto a sério, por favor)
Rsss...
Mas voltando ao seu ótimo post, A CARTA óbviamente é um clichê novelístico de incomparável apelo dramático. Aliás como quase tudo em novelas de grande apelo popular. Mas entendo e empatizo totalmente com seu texto. Afinal, se desejam manter a fidelidade ao estilo, bem que poderiam adaptá-lo, mesmo que um pouquinho, à realidade.
Que tal por exemplo, imprimir o e-mail e arrebatá-lo com mãos trêmulas e aqueles lábios pré-chorosos que Tarcísio Meira por tanto tempo protagonizou?
Até mesmo porque, encenar o ato acima olhando para uma tela de computador, embora factível, seria risível.
Rsss...

Yúdice Andrade disse...

Meu amigo, tinha certeza que a alusão aos recursos tecnológicos te atrairiam. Compreendo que a intenção seja dar ao fato um apelo popular, mas é justamente isso que questiono: até que ponto uma carta de papel ainda tem apelo popular? Talvez a minha madrinha, vendo a novela, em sua simplicidade, tenha pensado junto comigo: Diz que a fulana mandou uma carta! Magina se alguém inda faz isso!
No mais, fiquei preocupado com o que dizer no dia daquela conferência em Mosqueiro... É possível que eu nem abra a boca.
Pensando bem, não é possível, não.
Abraços.

Anônimo disse...

Ainda outro dia minha filinha de 8 anos pediu a mãe (às vésperas de uma viagem) que quando ela chegasse ao destinho lhe enviasse uma cartinha: "mãe, só para eu saber como é que é!" :-)

Carlos Barretto  disse...

Rsss...
Não se preocupe. Minhas idealizações nem exigem assim tanto stress de sua parte.
Afinal, na analogia, eram quadrinhos.
Rsss....

Yúdice Andrade disse...

Uma criança interessada pelo passado, Antônio. Isso é bom. Aproveite para levá-la a museus e estimular o gosto por saber como as pessoas viviam na época em que os telefones eram de disco e não de teclas.