Logo que o primeiro mandato de Lula começou, um amigo economista justificou seu desinteresse em colaborar com o programa "Fome Zero", que àquela altura encantava das donas de casa às grandes empresas. Disse que, mesmo que não houvesse corrupção (hipótese suscitada apenas por amor ao debate, claro), ainda assim boa parte do dinheiro arrecadado seria perdido, porque o Estado brasileiro insiste em criar estruturas burocráticas pesadas para tudo. Referia-se à secretaria especial criada, no âmbito do governo federal, para gerenciar o programa. Assim, com os vencimentos de servidores, DAS, água, luz, telefone, papel, transporte, diárias e incontáveis outros itens, seria gasto um horror de dinheiro, que deixaria de ser empregado na atividade-fim: a distribuição de comida aos necessitados. Concluiu dizendo que continuaria a fazer o mesmo que todos os anos: ir até uma instituição de caridade que costuma ajudar, perguntar de que precisam e fazer sua doação diretamente - única forma de assegurar que cada centavo gasto na doação seria, de fato, empregado no objetivo maior.
Dei-lhe inteira razão. Agora, quando vejo deslanchar mais uma malsinada e nefasta propaganda eleitoral, rememoro essa história. Não que tenha uma relação muito direta, mas me permitiu uma comparação, pois a cada eleição os custos da campanha disparam e um dos principais fatores para tanto é a publicidade.
Com efeito, gasta-se tanto dinheiro com campanhas, mas tanto e tanto, que só quem pode gostar disso é quem lucra com a coisa. Nós, meros mortais que não marqueteamos nada, como cidadãos e sobretudo como contribuintes, deveríamos repudiar essa indecência insana. Tanto por uma questão de princípio (no final das contas, os mecanismos de contenção do poder econômico não funcionam, de modo que saem favorecidos os candidatos mais ricos), quanto, principalmente, por uma questão de bom senso e humanidade: a cidade tem uma enormidade de necessidades; elas é que deveriam absorver esse dinheiro que, em geral, sai mesmo dos cofres públicos, ilicitamente, e não donos de produtoras, compositores de jingles, fabricantes de camisetas, santinhos e chaveiros, dentre outros.
Naturalmente, isso também implica em circulação da riqueza. O dinheiro não foi queimado e se tornará, p. ex., salário para os funcionários das produtoras, gráficas, etc., chegando a pessoas bem humildes. Mas o maior beneficiário será sempre, em última análise, um empresário ou profissional liberal, não o povo, não o desempregado, não o sem teto, o sem transporte, o sem posto de saúde.
Considerando o público que normalmente acessa blogs, ainda mais os que enveredam por temas políticos, provavelmente serei execrado pelo que digo. Mas o fato é que repudio essa tenebrosa inversão de prioridades. Alguém deveria dizer ao eleitor, sobretudo o mais humilde, que bom candidato é aquele que faz a riqueza chegar até ele e não até os marqueteiros.
3 comentários:
Olha, existe uma maneira bem simples de não gastar nada com campanha política. E encaminhar toda essa riqueza para o "bem" do povo: acabar com eleições.
Na Coreia do Norte, em Cuba, na China deu certo.
Lembro que os limites para despesas de comunicação nos governos são definidas por lei e fiscalizadas com avidez pelos TC. Mas, quanto aos partidos, parece-me a questão é mais flexível. Por outro lado, com o chamado Escândalo do Mensalão, houve uma reduzida na avidez pecuniária dos marqueteiros nas campanhas eleitorais. Ao meu ver a solução higiênica é: proibição de captação de recursos privados e financiamento público de campanha política, com tetos bem definidos, planejamentos, licitação pública e prestação de contas transparentes, pois não se pode eleger um candidato sem conhecer suas propostas ou dos respectivos partidos.
Anônimo, estou certo de que sua proposta de reinstituição de uma ditadura angariará a simpatia de uma quantidade imensa de pessoas, entre as quais não me incluo. No mundo, há outros sistemas políticos bem sucedidos, que podem servir de base para o Brasil. Infelizmente, a verdade é que para o Brasil nenhum sistema prestará por causa.. dos brasileiros!!
Evidentemente, Oliver, a escolha de um candidato só pode ser verdadeiramente democrática se todos tiverem possibilidade de expressar suas idéias. Mas é isso que não acontece no Brasil. Veja só: temos um horário eleitoral gratuito, mas os medalhões falam 9 minutos, enquanto outros ficam na casa dos segundos - graças às coligações de grandes partidos com legendas de aluguel. É democrático? Não!
Todos os partidos podem captar recursos, mas todos conseguem? Não.
Ou seja, em suma, o modelo que adotamos não presta e privilegia quem tem dinheiro para torrar. E tome dinheiro com publicidade de produtos vagabundos! Enquanto isso, quem está na pior, continua. Essa é minha irresignação. Abraços.
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