Não há dúvida; os homens devem ser o que parecem
(Shakespeare. Fala de Otelo em Otelo; cena III.)
Quando estive na área de urgência/emergência na saúde, aprendi muito com a casuística de violência e vi que, em algumas situações, concorrem para o desfecho do drama um conjunto de fatores que, não raramente superiores a principalidade do fato, operam em silêncio, à margem da racionalidade. Lembro dessas questões com a tranquilidade de quem está afastado da urgência/emergência em saúde quase uma década, àrea que eu defino, a propósito da tragédia que desgraçou a vida de três jovens em São Paulo, como a verdadeira sala da situação da saúde urbana, e na qual os que nela trabalham têm a mais perfeita leitura da violência em suas diferentes dimensões na sociedade.(Shakespeare. Fala de Otelo em Otelo; cena III.)
Considero que o Grupo Armado Tático - o GAT paulista, a força nacional melhor experimentada nesse tipo de situação limite, tomou suas decisões em acordo com os dados de que dispunha e analisava, dando a eles a direção técnica que julgava mais apropriada no sentido de proteger a vida de pessoas, fossem elas sequestradas ou sequestrador, num cenário logístico extremamente difícil, visto que havia só uma entrada, janelas de pequenas dimensões e o desconhecimento onde exatamente o sequestrador estava, dificuldando até a decisão extrema de um sniper - o atirador de elite.
Mas, fica a lição: Com passionais não se brinca, porque o enredo não é fruto do acaso; antes está previamente estabelecido e o epílogo definido. Entre nós, em termos literários e penais, quem melhor definiu a situação foi Euclides da Cunha; e não com o gênio de escritor que para nós é honra nacional, mas como marido vingativo no drama conhecido tristemente como a Tragédia de Piedade - um fato de sangue, como definem os italianos, que escandalizou a sociedade e a intelectualidade brasileira.
Narram os textos de época que, com aquela precisão que marcou sua imortal obra, assim Euclydes anunciou sua presença no cenário de adultério sob teto familiar, antes de ser varado de balas pelo amante da mulher: Estou aqui para matar ou morrer. Com essa afirmativa legou a posteridade a melhor definição de quem em cenário de crime passional é o protagonista. Foi o que ocorreu em Santo André.
7 comentários:
analisar............... com S
Não sou nenhum especialista nesse assunto, nesse caso não passo de um palpiteiro e justamente nessa condição que me permito a afirmativa: caso o incidente tivesse ocorrido em algum bairro de bacana, é possível, vejam bem, 'é possível', que a ação da polícia fosse conduzida com um pouco mais de cuidado.
Bom dia, Itajaí
ainda que não esteja clara a origem dos tiros que vitimaram as adolescentes, seu último parágrafo é a mais correta análise que li de todo esse drama. Os crimes de paixão são o que informam para que ninguém duvide, nem a polícia: são de paixão. Quase sempre fora do alcance até dos atiradores de elite.
Um abraço.
Anônimo, obrigado pela revisão do texto. Está feita a correção. Mas, o que vc. achou do assunto comentado?
Antonio, pode ser como tu pensaste. Mas, lembro que o fato já ocorreu em outra ocasião, com Silvio Santos, na casa dele, no Morumbi. Não foi, contudo, um sequestro passional. Nesse caso, sequestrado e sequestrador escaparam com vida.
Bia, arrisco que a vida como é levada hoje, onde perduram relações sentimentais fugazes e superficiais, contribui para que as paixões sejam consideradas fora de moda, ou peças de folhetim que apenas existem nas telenovelas. Não são e podem surpreender aos envolvidos - inconscientes ou inconsequentes - da pior maneira possível.
Abs.
Bom dia, Itajaí.
Observo que os jovens não sabem lidar com os sentimentos. Não sabem os seus limites. Não sabem o que quer dizer 'não'. Em tempos do passado tínhamos que administrar os nossos fracassos internamente. E 'não' era 'não' e acabou. Buscar saídas. Nossos pais nos ensinaram isso. Não acredito no passional(neste caso), mas na falta de reconhecimento de seus limites, de sua realidade... O exemplo do post é puramente cultural - machismo. Entendo que não podemos ensinar aos nossos filhos como conviver com o sentimento amoroso, mas as alternativas periféricas da educação familiar permitem táticas para uma estratégia de saúde mental. Você acha que estou equivocada? Às vezes penso que sim.
Beijos.
Fala Itajai. Também trabalhei mtos anos em URG/EMERG, em São Paulo, cidade que amo e até me considero meio paulista depois de 23 anos que morei naquelas bandas. E concordo com vcs e principalmente com Shakespeare. Mas acho que aconteceram 2 falhas grosseiras da policia. Em primeiro lugar, a volta da outra menina ao apartamento foi a coisa mais esdrúxula que já vi, em casos como esse, simplesmente dobrando o número de reféns e dando imensa sensação de poder a quem não poderia ter jamais essa sensação. Não mais do que ele já se achava poderoso! Onde está a preservação da vida a que te referiste? Em segundo, se não tinham certeza, não deveriam invadir e principalmente daquela forma atabalhoada. Seria bem melhor deixar que o cansaço fizesse a sua parte. Não dá para deixar de criticar a policia paulista nesse caso. Um abraço, mano velho,
Beto Carepa
Moreníssima Cris, no que respeita a matar por paixão, estatisticamente os homens são campeões. Inegável. È nesse sentido cultural a citação de Euclides da Cunha: esse foi um enredo de homens, onde o pivô do crime manteve-se passiva até depois de enviuvar do traído; até depois do assassinato do filho pelo mesmo amante que, anos depois, a repudiaria!
Mano de mana, o que citas é a grande falha dessa operação, e, por certo, será aquela que poderá definir o erro de avaliação do comando da operação, porque traz à luz uma fragilidade na avaliação da periculosidade do agressor. Daí...
Abs a ambos.
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