terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Gandhi e Freud - Um Reparo a Carta Capital

A revista Carta Capital de Mino Carta publicou matéria em que cita textos de Freud e Gandhi em que os autores demonstram ser contrários ao Estado de Israel. Da forma como foi escrito o artigo segue a linha chacriniana de vir mais para confundir do que para esclarecer. Tentarei aqui com o meu conhecimento e reflexão pessoal sobre o assunto melhor avaliar essa intervenção no debate sobre o problema árabe-israelense.
Em primeiro lugar o artigo de Carta Capital menospreza o contexto histórico em que se deram a manifestação de Freud e Gandhi, tendo como pano de fundo o Sionismo, o estado de Israel e o pós-guerra.
O Sionismo é um movimento contra-hegemônico de reação ao anti-semitismo europeu e ao aculturamento das comunidades judaicas na Diáspora. Busca assim reconstruir a retomada da bíblica terra prometida e das tradições religiosas. Organizado percorreu o mundo, chegando ao início do século a Belém- Pará na figura do futuro fundador do estado de Israel, Theodor Herzl, que proferiu conferência aberta a sociedade no Teatro da Paz, embora sob vigilância da polícia de um desconfiado Lauro Sodré.
Na Europa se estabeleceu um cisma na comunidade judaica, especialmente em países onde há várias gerações os judeus se encontravam fortemente integrados a sociedade. Dentre esses, os judeus de Viena, a que estavam vinculados as famílias Freud, Wittigenstein e Zweig, eram aqueles mais assimilados. É nesse contexto, pré-Segunda Guerra Mundial, que a manifestação de Freud tem de ser interpretada, como reação a uma doutrina que confrontava sua concepção austríaca de judaísmo, como reação a um judaísmo ortodoxo que emergia nos países ricos europeus a partir da migração de comunidades inteiras de judeus pobres expulsos do leste europeu, onde as classes dominantes exploravam com maestria o preconceito religioso como forma de atenuar o abuso sobre camponeses paupérrimos e trabalhadores famélicos no meio urbano. Tratava-se de um choque de cultura dentro de uma mesma cultura.
Os primeiros cincoenta anos do século XX foi dos mais intensos em qualquer campo da atividade humana. Ao lado de tantas figuras repulsivas como Hitler, Mussolini, Stálin e Franco destaca-se o belíssimo contraponto de Mahatma Gandhi. Curiosamente, este homem que não dissociava religião de política de fato manifestou desacordo com o Sionismo e, por conseqüência, com a criação do estado de Israel. Por que o fez, justo ele que havia lutado por constituir seu próprio estado, retomado das mãos do colonialismo inglês?
Acredito eu que por uma questão de realpolitik. Gandhi sempre soube da enorme tensão que representava os muçulmanos na Índia, na República Islâmica do Paquistão e no contestado de Caxemira. Provam-no três atentados: o recente que testemunhamos em Mumbai (Índia), com 174 mortos; aquele que vitimou o profeta da não violência, Mahatma Gandhi, vinculado às tensões com a direita hindú, e o da paquistanesa Benazir Bhutto.
Como argumento ao inexplicável equívoco histórico da Carta Capital, transcrevo aqui o que pode ter sido a última manifestação pública de Gandhi sobre o estado de Israel, naquele longínquo 1948, poucos meses antes de seu assassinato covarde:
Doon Campbell (Reuters) - Qual a solução para o problema palestino?
Mahatma Gandhi - O problema parece insolúvel. Se eu fosse judeu eu aconselharia: não recorram ao terrorismo... Os judeus devem procurar os árabes, fazer amizade com eles e jamais ficar dependentes dos britânicos e dos norte-americanos. Por este modo resgatarão sua herança de descendentes de Javeh.
Ele tinha razão. O advento da Guerra Fria imobilizou qualquer possibilidade de entendimento entre aqueles dois povos.

5 comentários:

morenocris disse...

bom dia, Oliver.

tudo o que faz é tão perfeito. todos os seus comentários dariam belos posts, igualmente. você é ímpar, neste mundo. tenho orgulho em ser sua amiga. sublime? soberbo? maravilhoso? perfeito? talvez não, apenas um ser humano que tem a capacidade privilegiada de absorver as verdades das coisas. da vida. ser um contraditório diferenciado, com profundidade. sempre encontro tranquilidade e eco, do lado de cá. obrigada por existir.

beijos.

Anônimo disse...

Mister Oliver,
A Carta Capital dessa semana, surpreendentemente, pisou na bola também em outras questões. Vide o caso da extradição do italiano. Já você, camarada: sempre bola cheia!!! Muito bom!
Marcos Damsceno

Itajaí disse...

Ah, vocês dois... são terríveis e nem se conhecem.
Sorry aqueles que dizem que esse Flanar é uma ação entre amigos.
E que amigos, viram? Alguns deles nem ainda conhecemos pessoalmente, outros reunem quase uma vida. É assim.
Afinal, como bem cantou o peralta Veloso (sobre a amizade): e quem há de negar que ela é superior? Deixem os Portugais morrerem à míngua
Fala Mangueeeeeiraaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!!
Abs.

Val-André Mutran  disse...

Belíssimo coment Itajaí.

E como é bom que nossa ação seja entre amigos.

Num mundo cada vez mais deteriorado pela falta de valorização dos valores que pesam; parece que algumas pessoas se sentem agredidas ao observar boas amizades.

É caso para consultório.

Anônimo disse...

Israel penhoradamente agrade$$e