sábado, 3 de janeiro de 2009

O reconhecimento do Rancho

A escola de samba Quem São Eles? faz 68 anos no próximo dia 28. Neste Carnaval, Osvaldo Garcia, compositor de uma tradicional escola rival, o Rancho Carnavalesco Não Posso Me Amofiná, foi o autor do samba-enredo escolhido pelo Quenzão.
Num dos refrões, o compositor ranchista responde à interrogação que marca o nome da escola grená:

Quem São Eles?
Quem São Eles somos nos,
A voz da consciência cultural,
O Pará no Carnaval.

Sensacional!

5 comentários:

Anônimo disse...

Juva, este trecho já dá uma idéia do todo. Muito bom mesmo o enredo deste ano. O tema já era uma dica: "Dalcídio Jurandir - O Marajó na Celebração do Centenário".

Faz parte de uma sequência, 2008, com o Benedito. 2009 com o Dalcídio, e 2010 com o Paes Loureiro. Não é isso?

E pra'queles que acham que samba-enredo tem que falar só de bundas e afins, lembro do "Mestre-Sala dos Mares (João Bosco e Aldir Blanc)".

E vejam só que delícia que encontrei titiando e tariando pela ilharga por acolá (http://www.dhnet.org.br/memoria/textos/mestre_sala.htm):

"Fui apresentado ao compositor João Bosco por um amigo comum, Pedro Lourenço, na época estudioso de literatura. Arte. etc. Pedro havia feito pesquisas sobre a vida de João Cândido e a Revolta da Chibata. Na mesma época, o MAU (Movimento Artístico Universitário) foi muito influenciado pelo cineasta Cláudio Tolomei, já falecido. Tomolei tinha um projeto de fazer um curta com João Cândido. Formamos uma espécie de quarteto (Bosco, Cláudio, Pedro e eu) estudando e conversando sobre a importância gigantesca da Revolta da Chibata e da figura histórica de João Cândido para a cultura brasileira. Baseado no conhecimento que Pedro e Cláudio tinham do assunto e no livro, um marco, de Edmar Morel, Bosco e eu resolvemos partir para uma estrutura de samba-enredo clássico, que pudesse inclusive ser confundido com os outros sambas-enredos do ano – o que realmente aconteceu e nos emocionou muito. As pessoas ouviam “O Mestre-Sala dos Mares” e perguntavam: “Esse samba é de escola mesmo?”.

Tivemos diversos problemas com a censura. Ouvimos ameaças veladas de que o CENIMAR não toleraria loas e um marinheiro que quebrou a hierarquia e matou oficiais, etc. Fomos várias vezes censurados, apesar das mudanças que fazíamos, tentando não mutilar o que considerávamos as idéias principais da letra. Minha última ida ao Departamento de Censura, então funcionando no Palácio do Catete, me marcou profundamente. Um sujeito, bancando o durão, ficou meio que dando esporro, mãos na cintura, eu sentado numa cadeira e ele de pé, com a coronha da arma no coldre há uns três centímetros do meu nariz. Aí, um outro, bancando o “bonzinho”, disse mais ou menos o seguinte:

- Vocês não então entendendo... Estão trocando as palavras como revolta, sangue, etc. e não é aí que a coisa tá pegando...

Eu, claro, perguntei educadamente se ele poderia me esclarecer melhor. E, como se tivesse levado um telefone nos tímpanos, ouvi, estarrecido a resposta, em voz mais baixa, gutural, cheia de mistério, como quem dá uma dica perigosa:

- O problema é essa história de negro, negro, negro...

Eu havia sido atropelado, não pelas piadinhas tipo tiziu, pudim de asfalto etc, mas pelo panzer do racismo nazi-ideológico oficial.

Decidimos dar uma espécie de saculejo surrealista na letra para confundir, metemos baleias, polacas, regatas e trocamos o título para o poético e resplandecente “O Mestre-Sala dos Mares”, saindo da insistência dos títulos com Almirante Negro, Navegante Negro, etc. O artifício funcionou bem e a música fez um grande sucesso nas vozes de Elis Regina e João Bosco. Tem até hoje dezenas de regravações e foi tema do enredo “Um herói, uma canção, um enredo – Noite do Navegante Negro”, da Escola de Samba União da Ilha, em 1985.

Orgulho-me de, por causa deste samba, ter recebido a Medalha Pedro Ernesto, com João Bosco e o próprio Edmar Morel – infelizmente também já falecido – na presença dos filhos de João Cândido.

Aldir Blanc"


Letra composta:



O Mestre-Sala dos Mares



João Bosco e Aldir Blanc

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar apareceu
Na figura de um bravo marinheiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como almirante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas
Jorravam das costas dos negros
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do marinheiro gritava, então:

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias,
Glória à farofa, à cachaça, às baleias,
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esqueceram jamais.........

Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

(Mas, salve...)

Salve o almirante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

Letra censurada:

O Mestre-Sala dos Mares

João Bosco e Aldir Blanc

Há muito tempo nas águas da Guanabara
O dragão do mar apareceu
Na figura de um bravo feiticeiro
A quem a história não esqueceu
Conhecido como navegante negro
Tinha a dignidade de um mestre-sala
E ao acenar pelo mar, na alegria das regatas
Foi saudado no porto
Pelas mocinhas francesas
Jovens polacas e por batalhões de mulatas

Rubras cascatas
Jorravam das costas dos santos
Entre cantos e chibatas
Inundando o coração
Do pessoal do porão
Que a exemplo do feiticeiro gritava, então:

Glória aos piratas, às mulatas, às sereias,
Glória à farofa, à cachaça, às baleias,
Glória a todas as lutas inglórias
Que através da nossa história
Não esqueceram jamais.........

Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

(Mas, salve...)

Salve o navegante negro
Que tem por monumento
As pedras pisadas do cais

Carlos Barretto  disse...

Bom dia, Professor.
De volta?
Ótimo 2009 para vc.

Unknown disse...

Bom dia, meu caro.
Vc anda muito bem informado sobre o Quenzão...eheh.
Esta ano é o Dalcídio, que terá sua obra reeditada, e ano que vem o João de Jesus. Desfilaremos juntos este ano, na última ala da escola.
Quanto ao Mestre Sala dos Mares, uma das minhas composições preferidas da dupla, sempre senti um quê de samba enredo.
Bacana o link, obrigado.
Mas o melhor mesmo foi a minha leitura de final de ano no Marajó, a Agenda do velho André.
Diga a ele que gostei muito, e me emocionei com a, digamos, mezzo ficção mezzo realidade.
A sensação de conhecer os personagens - fui aluno do Jonatas, aliás muito bem descrito pelo André...eheh - é muito legal.
Dê meus parabéns ao papi, figuraça!
E até o final do mes começo a ler A Batalha.
Obrigadíssimo pelos presentes.
Abs

Unknown disse...

Sim professor, de volta mas só no Flanar, até o final de janeiro...eheh
Feliz 2009 pra vc tb, pra dona Adriana e pros meninos.
Abs

Anônimo disse...

Bosco e Blanc, só tinha que dar mesmo em clássico.

A "A Agenda do Velho Comunista", é leitura obrigatória para quem quer começar a entender sobre a violência e o nó-cego-e-de-cegos que o Brasil gerou e amamenta.

Ele vai gostar de saber que você gostou.

Aliás, ele me mandou um artigo por email sobre a "tal da crise". Pstei lá no xipaia. Os personagens estão por lá, de novo, e à beira do lago do Oriboca.

Boa leitura com a "A Batalha do Riozinho do Anfrísio". Ele escreveu este livro depois de uma pesquisa de anos, inclusive, quando eu tinha uns 14/15 anos, subimos o Velho Chico, de Penedo rumo à Propriá, local de saída do seu avô, meu bisa, Coronel da caatinga, André Avelino.