domingo, 15 de março de 2009

Histórias do samba



Há alguns dias, fui em busca de um DVD para dar de presente de aniversário a um amigo. Deparei-me com uma caixa de 5 CD´s de Hermínio Bello de Carvalho, editados pela Biscoito Fino, com vários artistas cantando as músicas do compositor.

Dentre os discos, um me chamou especial atenção: era o primeiro do paraense Vital Lima, gravado no Rio de Janeiro em 1978, que conta quase que exclusivamente com canções feitas em parceria com Hermínio. Dentre as músicas constam a bela Pastores da Noite e a primeira gravação em disco do grupo vocal Boca Livre – a única música da obra composta somente por Vital, chamada Açaizeiro.

Os disquinhos cobrem boa parte da produção profícua de Hermínio Bello: de Mas quem disse que eu te esqueço, feita em parceria com D. Ivone Lara e gravada por Paulinho da Viola, a Timoneiro, do próprio Paulinho com Hermínio; do belo samba Pressentimento, com Élton Medeiros, ao tão belo quanto Chão de Esmeraldas, homenagem à Mangueira composta com Chico Buarque. Hermínio Bello de Carvalho é parceiro das mais consagradas figuras da música brasileira: fez canções com o roqueiro Roberto Frejat, letrou músicas de Jacob do Bandolim e Heitor Villa-Lobos, dividiu versos com Cacaso.

Um dos CD’s da caixa é a reprodução do disco Cantoria, de 1995, em que artistas consagrados da MPB gravaram canções de Hermínio, entremeadas a poemas recitados pelo próprio compositor. No rol das canções, figura Maria Bethânia cantando Alvorada, samba que me lembra uma história curiosa.

Reza a lenda que Alvorada foi composta por Cartola e Carlos Cachaça, fundadores da Estação Primeira de Mangueira, em conjunto com Nelson Cavaquinho, assíduo frequentador do morro, onde fazia ronda todas as noites, trabalhando na polícia montada do Rio de Janeiro. Ainda em fase de composição, Nelson mostrou a canção a Hermínio, que dela se encantou e disse ao autor da clássica Folhas Secas:

Nelson, essa tua música é muito linda. Eu queria tê-la composto...

Nelson Cavaquinho retorquiu:

Hermínio, ela é toda sua, se você quiser. Saí da polícia, estou desempregado. Me paga uns mangos que eu te vendo ela.

Proposta feita, negócio fechado. Só que a transação chegou aos ouvidos de Cartola que, indignado, procurou o parceiro e peitou-o:

Pô, compadre, você vendeu a nossa música? Isso não se faz!

Contam as testemunhas que Nelson retrucou:

Compadre, eu vendi a minha parte, entendeu? A minha parte!

E assim, Hermínio Bello de Carvalho carimbou seu nome em um dos sambas mais bonitos da história. Cartola, para não perder a amizade, perdeu o parceiro: nunca mais compôs nada com Nelson Cavaquinho.

2 comentários:

Anônimo disse...

História interessante mas que conhecendo os personagens podemos entender que pode ter sido real.Quando voltei pro Rio depois de anos de BEL não era raro encontrarmos o Nélson Cavaquinho , bebado pelos botequins do posto 6 em Copa mendigando uma cachaça , não sei se correto ou não , a gente pagava e tentava roubar uma interpretação mesmo que trôpega dele :
"Tire seu sorriso do caminho
Que eu quero passar com a minha dor....
abraços
Tadeu

Francisco Rocha Junior disse...

Reza a lenda que é verdade, Tadeu.
Outro dia fiz um post, ao tratar da morte do nosso Max Martins, sobre esses gênios da arte brasileira que envelhecem desamparados. É uma lástima.
Abração.