domingo, 1 de março de 2009

Pilhagem, Glamour e Arrogância


As cabeças em bronze de um rato e um coelho pertenciam ao espólio do afamado modista franco-argelino Yves Saint Laurent, falecido no ano passado. Cada uma foi arrematada por cerca de 20 milhões de dólares. Levadas a leilão pela famosa casa leiloeira Christie's, as peças fundidas no século XVI têm contudo uma outra história. Quem nos conta é Elio Gaspari na sua coluna dominical de hoje:
O "LEILÃO DO SÉCULO" , no qual foi vendida em Paris a coleção de arte do costureiro francês Yves Saint Laurent, foi um sucesso de renda para a casa Christie's (US$ 484 milhões), mas será lembrado também como um desastre cultural. Amparado pela Justiça, o viúvo de Saint Laurent passou adiante, por US$ 31 milhões, duas esculturas setecentistas roubadas no saque do Palácio de Verão de Pequim por tropas anglo-francesas, em 1860. Elas formavam um conjunto de 12 peças, das quais a China já recuperou três, ao preço de US$ 4 milhões.
As figuras do coelho e do rato vendidas em Paris tornaram-se símbolos de uma mentalidade colonial do século 19 reciclada pela arrogância pecuniária do século 21.
O incêndio do Palácio de Verão marca o pior momento da humilhação da China pelas potências europeias que invadiram o país, entre outras coisas, para preservar suas redes de tráfico de ópio. À época, a pilhagem foi denunciada pelo romancista francês Victor Hugo. Guardadas algumas diferenças, o saque do palácio assemelhou-se à vandalização do Museu Nacional de Bagdá em 2003.
O mundo das antiguidades está mais civilizado. O museu Metropolitan de Nova York já devolveu peças gregas escavadas no século 20 e contrabandeadas por mercadores. Boa parte das coleções roubadas pelos nazistas durante a Segunda Guerra foi resgatada.
Com as esculturas do Palácio de Verão, a França e a Christie's puseram o governo chinês numa boa briga. Desta vez Pequim não quis participar do leilão e avisou que procurará atrapalhar os negócios do leiloeiro.
Que o governo de Pequim tenha direito a repatriar bens culturais dos quais o país foi expropriado não há discordância. Mas daí chegar a casa leiloeira com ameaças de retaliações pouco claras, apenas sugere que os chineses mandam as favas legitimidade e legalidade e seguem o código de ética dos bucaneiros, quando julgam necessário.

7 comentários:

Val-André Mutran  disse...

Sua análise está correta Itajaí.
E sobre o tema, uma pergunta:
Cadê a afamada peça museológica, um Muiraquitã, roubado do acervo de Belém?

E as peças raras roubadas do Goeldi.

A petralha em Belém não "bate" apenas carteiras.

Itajaí disse...

Se você quiz dizer que petistas de moral duvidosa estão envolvidos nos casos citados, veementemente discordo. O primeiro aconteceu no governo tucano. Quanto ao segundo parece-me obra de gente ligada ao comércio de livros raros, em tudo semelhante a outros acontecidos no eixo Rio-São Paulo. Falta portanto polícia dizer a que veio, quem furtou e onde está o roubo. Só isso.

Val-André Mutran  disse...

Nada a haver com os petistas.
Tudo a haver com o descaso que impera quando se fala em preservação da nossa memória.
Só isso.
Abs.

Yúdice Andrade disse...

Caro Itajaí, não tenho nenhuma simpatia pelo jeito chinês de agir, mas não vi nas declarações uma ameaça. E acho perfeitamente legítimo criar embaraços a uma atividade econômica quando esta é irresponsável. Afinal, não estão comerciando apenas algo de valor econômico, mas história e dignidade. Se para a Christie's isso é apenas dinheiro, que tenha os seus dissabores.
Nada violento, bem entendido. Nada estilo MST. Pensei em aborrecimentos no plano da propaganda, na abordagem de pretensos compradores, etc. Quanto a isso, não vejo mal.

PS - Dou-lhe um exemplo que tiro do filme "Tráfico humano": uma ONG que lutava contra esse comércio abordava turistas e os filmava, quando estavam acompanhados por meninos e meninas nativas, indagando coisas do tipo: "esse menino é seu sobrinho ou o senhor está pagando por ele?"
Adorei. Penso que isso deve ser feito, sim.

Itajaí disse...

Val-André, é que o termo petralha foi inventado por um desses imbecis da imprensa para ofender petistas. Até livro o infeliz já escreveu para garantir seus quinze minutos de glória. Daí o esclarecimento, que concorda com suas palavras.
Yúdice, a questão é ser claro quando se diz o que os chineses disseram, visto que algumas ilegalidades poderão ser cometidas, tal como por exemplo constranger possíveis interessados nos leilões da Christie's, ou operar na bolsa de valores contra ela.
Acredito que se houvesse algum impedimento legal essa casa leiloeira com quase 250 anos de existência não teria aceito levar a leilão as duas peças.
Além do mais o governo chinês poderia ter arrematado as duas peças, não? Assim procedeu das outras vezes..
Ou a crise arrefeceu a pujança do caixa chinês?
Enfim prioridades são justificáveis, mas entrelinhas comerciais entre litigantes são muito perigosas.

Yúdice Andrade disse...

Compreendo e concordo, Itajaí. Mas quanto à defesa da Christie's, pergunto: só por que não é ilegal pode ser feito? Sob essa premissa, muitos atos nefandos foram perpetrados, ainda mais considerando que o Direito é um produto nacional.
Desconheço - embora não seja do meu métier - alguma regra que impedisse a famosa casa de leiloar as peças. Mas justamente pelo nome e respeitabilidade que tem, não deveria escolher melhor onde vai atuar, para evitar uma exposição negativa como esta?

Itajaí disse...

Quanto a isto tens inteira razão. Mas aí estamos na esfera da moral e não na do jurídico. Aliás duas dimensões apaixonantes quando se estuda a ciência do direito.