A solidez das instituições brasileiras é algo ainda muito jovem. Por sua juventude, volta e meia é sacudida por pressões indevidas, de personagens que insistem em querer ser maiores que o Estado.
A influência de Daniel Dantas nos círculos do poder é um bom exemplo da encruzilhada em que se encontra a República: Executivo, Legislativo e Judiciário esbarram, volta e meia, nas pegadas do banqueiro, em obstáculos postos por sua atuação - por vezes, inclusive, não deliberada.
Exemplo disto é a mais nova discussão que se pretende travar no Supremo Tribunal Federal: após o barraco na Corte protagonizado por Gilmar Mendes e Joaquim Barbosa, ministros do Supremo, juristas e professores de Direito de renome sustentam que a TV Justiça, que transmite os julgamentos ao vivo da Suprema Corte, deveria limitar-se a exibir meras repetições das sessões, devidamente editadas. Os mais afoitos falam até em simplesmente não mais transmitir as sessões, ao argumento de que a excessiva visibilidade prejudicaria a isenção dos julgadores na proferição de votos.
No programa Observatório da Imprensa desta semana, do canal estatal TVE (TV Cultura, no Pará), o ex-ministro do STF Carlos Velloso e o professor Dalmo Dallari defenderam esta tese. Velloso chegou ao cúmulo de esgrimir o pífio argumento de que a edição das imagens das sessões da Corte facilitaria o entendimento do jurisdicionado, que não ficaria mais submetido a relatórios enfadonhos. Francamente, ministro...
Voz forte e bem postada em sentido contrário é a do ministro Marco Aurélio Mello, atual componente do Supremo, que usou os termos corretos para adjetivar a pérfida pretensão: censura, retrocesso, passo atrás.
A intenção é mais um tapa na cara da sociedade. Imagine-se a contribuição ao atraso que será desmontar o aparato da TV Justiça, objeto de conquista da cidadania neste país, para impedir que a população tenha acesso aos julgamentos e veja como julga e age cada ministro. A se concretizar este fato, não haverá como o Judiciário contestar a já incontestável pecha de ser um Poder encastelado.
Lembro, ainda, que por determinação constitucional, a regra é que todos os julgamentos do Poder Judiciário sejam públicas. Pretender impedir que a TV Justiça transmita os julgamentos ao vivo equivalerá, em última instância, a barrar a entrada dos jurisdicionados e advogados que pessoalmente se apresentem para assistir às sessões.
4 comentários:
Gilmar reagirá
Surpreendentes em diversos aspectos, as necessárias manifestações contra Gilmar Mendes podem ajudar a criar um monstrengo involuntário. O presidente do STF, por temperamento, histórico e particularidades de ofício, é mandatário perigoso, cujo potencial nefasto só e descobre quando nada há a fazer.
Mendes não tem mesmo por que se preocupar com a opinião pública: ficará no cargo até abril de 2010, independente de (ou ainda mais por causa das) pressões por sua renúncia. Dez ou onze meses de atividade equivalem a uma parcela da história jurídica brasileira, prevendo decisões finais e soberanas sobre temas que vão dos crimes da ditadura à concessão de asilos políticos, passando pela descriminalização da maconha e outros.
Eis o teor da vingança que esfria em seu prato de maldades. Valorizado como está pelo apego corporativista dos pares, ele pode influenciar decisões futuras para agredir os interesses que, já admitiu, sabe reconhecer perfeitamente nos adversários. As canetadas retrógradas receberão os apupos costumeiros, mas permanecerão, como prova do poder e da vaidade do legislador-sem-mandato que manda no pedaço.
Empurrado às cordas, Mendes torna-se fera indomável e, admitamos desde já, invencível. Os protestos ganhariam pertinência se passassem a envolver os movimentos progressistas do próprio Judiciário (especialmente nas segundas instâncias), fechando um cerco de verdadeiros constrangimentos ao redor do ministro.
Gosto de retórica. Divirto-me analisando discursos, tentando identificar as mensagens subliminares, principalmente quando cafajestes. Acredito que:
1. os fatos estão a demonstrar que os ministros ainda não se cercearam em julgar ou emitir opiniões (inclusive virulentas e baixas) por causa da exposição pela TV;
2. mudar o procedimento da TV, a esta altura, desnudaria os reais objetivos covardes;
3. o público da TV Justiça é altamente específico e, decerto, não se importará com os enfadonhos relatórios (basta ir fazer um lanche nessa hora), preferindo mesmo ter disponível a sessão na íntegra;
4. nos horários sem transmissão ao vivo, podemos ter as reprises editadas, de consumo mais acessível aos que não gostam dos enfadonhos relatórios ou à população não-jurista que, por sinal, suponho que não terá tanto interesse em acompanhar as sessões ao vivo e em tempo real (isso é mais coisa nossa).
No mais, concordo integralmente contigo.
A questão é muito simples: é cada vez mais difícil encobrir o óbvio, a podridão instalada até na mais longínqua trincheira do judiciário brasileiro.
Paulo Bonavides tem razão: a comoção está vindo aí.
E não vai esquecer das togas.
Guilherme, obrigado pela pertinente contribuição ao debate. Concordo que qualquer movimento político de pressão do Judiciário não pode somente ser feito de maneira externa, sob pena de sofrer o contra-argumento de que a atividade judiciária é técnica e não pode aceitar a "voz das ruas" - voz esta que, para mim, não tem a conotação que os chamados NeoCon deram a ela, vide http://blogflanar.blogspot.com/2009/04/de-quem-e-voz-das-ruas.html.
Juca, o comentário do Guilherme é pertinente. Ainda não li o que o prof. Bonavides disse a respeito, mas concordo que sem um movimento político das próprias togas, o Judiciário ficará na mão de Gilmar Mendes. Seria bom ouvir magistrados sobre o assunto.
Yúdice, concordo com tudo o que disseste. Só ressalto que o argumento do ministro Velloso de que as sessões editadas seriam "menos enfadonhas" não é séria, ao contrário do perfil do magistrado. E muito me admira, neste caso específico, o professor Dallari defender uma tese dessas.
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