segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Haroldo Maranhão, Patrimônio Cultural Paraense


Já escrevi no Flanar que sou leitor assíduo do jornalista Elias Pinto, no Diário do Pará. Hoje ele publicou uma página inteira dedicada ao escritor paraense Haroldo Maranhão, falecido em 2004. A justiça da homenagem merece contudo um complemento, que julgo necessário para a informação sobre a vida e a obra deste autor, que escreve com paixão pela palavra escrita e é capaz de mergulhos nas mais profundas águas da língua portuguesa, sem no entanto perder o humor e a universalidade. Mas isso é outro papo.
Meu negócio aqui é lembrar de que, à época da administração do então petista Edmilson Rodrigues, a Prefeitura de Belém nomeou comissão para organizar a publicação da obra de Haroldo Maranhão. Constituída por Aldenor Monteiro Júnior, Benedito Nunes, Itajaí de Albuquerque, Luís Araújo e Márcio Meira, a comissão decidiu cumprir o que a municipalidade havia lhe delegado, escolhendo uma obra inédita do autor que servisse ao ensino da história da cidade. Assim começou a história da publicação do livro Pará, Capital: Belém / Memória & Pessoas & Coisas & Loisas da Cidade, uma coletânea de textos de outros autores, que juntados formariam um discurso polissêmico, mas fiel à imagem da cidade.
A obra, por muito tempo considerada pelo autor como perdida, de repente, em meio as angústias da ocupadíssima comissão editorial, teve uma de suas cópias achada e entregue sob sigilo por um anjo providencial.
Haroldo Maranhão assim define o livro na contracapa da brochura:
(...) Esta antologia não pretende ser didática nem paradidática. Textos eruditos convivem com textos singelos e simplórios até, e na aparência, desimportantes, mas tanto não achei que fui desencavá-los. A mera escalação de um time de futebol, um pregão de rua, uma sorte junina poderão estimular agradabilíssimas lembranças nalgum leitor. Isso acontecendo a trabalheira terá valido a pena. (...)
Enfim, é a minha antologia de Belém. Minha. Reivindico o direito de fazer a minha antologia. Terei o maior respeito pelos que se dispuserem a fazer a sua.
Salvo melhor juízo, este Pará, Capital: Belém, com prefácio do professor Benedito Nunes, foi uma das últimas obras que o autor viu publicada. Apesar de não referenciada no artigo de Elias Pinto, foi ele quem dividiu com Alda Siqueira Melo a responsabilidade pela revisão do texto, dedicando à tarefa tempo integral de sua carga horária como funcionário público. Infelizmente, quase toda a obra de Haroldo Maranhão está esgotada e sob o risco do esquecimento das autoridades que devem zelar por nosso patrimônio cultural. Nessas horas é melhor ser amazonense.
Pós-escrito
Nem tudo é esquecimento. O texto ainda estava no ajuste, quando lembrei de notícia que a profa. Marise Morbach deu no seu 5a. Emenda, dia desses. A minissérie Miguel, Miguel, baseada em livro homônimo de Haroldo Maranhão, está em fase de filmagem. A produção dos cinco capítulos tem até blogue. Quem quiser acompanhar é só clicar aqui.

17 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Eis um trabalho que nunca aparece, mas que é da maior importância e que os governos deveriam sempre privilegiar: o resgate da cultura. A prefeitura de Belém, da época em que funcionava, esteve de parabéns por isso. Pena que não aconteça nada parecido hoje em dia.
E o governo do Estado, está fazendo alguma coisa nesse sentido?

Itajaí disse...

Não tenho notícias da produção bibliográfica do governo do Estado, Yúdice.

Elias Ribeiro Pinto disse...

Salve, salve:
Itajaí, Yúdice, assim que conseguir um tempinho (não é prosa não, é uma correria infernal, e muitas vezes escrevo a coluna com a guilhotina do tempo espreitando), vou fazer uns comentários sobre o assunto, espero que ainda hoje.
Abraço,
Elias

Edyr Augusto disse...

Nada está sendo feito. Haroldo Maranhão foi um dos maiores escritores brasileiros. Devíamos lutar pela reedição de todos os seus livros. Este, por exemplo, não tenho, o que é terrível!
Abs

Itajaí disse...

Puxa, Edyr Augusto, uma pena. Há uns seis meses eu presenteei minha duplicata a uma amiga. É verdade, deveríamos lutar por um selo que reeditasse livros não só de HM, mas de outros como Ruy Barata, Cauby Cruz, Benedito Monteiro, Eneida, entre outros. Essa gente está totalmente fora de catálogo. Por isso alfineto: é melhor ser amazonense, pois não tenho notícia de que Milton Hatoum e Márcio de Souza sejam solenemente ignorados em sua terra. Em anos recentes, apenas os governos de Jáder Barbalho e de Edmilson Rodrigues editaram livros fundamentais para a compreensão de nossa história, incluída a literária.

Itajaí disse...

Elias, aguardaremos ansiosos os seus comentários.

Elias Ribeiro Pinto disse...

PARTE I
É isso aí, Itajaí (releve a rima). Cheguei a participar de uma ou duas reuniões da comissão a que você se refere. A intenção primeira, lembro, quando, preliminarmente, conversei com o Márcio Meira, era a de reeditar mais de um livro do Haroldo. No andar de andara (homenagem fora de hora ao Cecim), no entanto, decidiu-se pela antologia.
No texto que escrevi sobre a obra maranhã para o Diário de segunda-feira, tive, por questão de espaço, de cortar em torno de um terço do total – e ainda assim a matéria saiu bastante comprida para o padrão da série “Orgulho do Pará”.
O mais surpreendente desse episódio é que, meses ou anos depois de publicada a antologia, descobri, entre meus desbussolados papeis (já prestando meu tributo à nova ortografia), não o original, mas uma cópia dos originais da coletânea organizada pelo Haroldo. O próprio autor de “Cabelos no Coração” a havia me repassado, não lembro quando e onde – para ver que não brinco quando falo da rotação cabalística que rege a (des)ordem dos meus arquivos implacáveis, implacáveis com o arquivista insone que lhe vareja o universo de pó, atocaiado pelos eternos inimigos do papel.
Outra coisa que jamais comentei, na minha coluna ou em qualquer outro espaço, é que, no final daquele ano de 2000 em que a antologia veio à luz, fui demitido da Câmara, onde trabalhava desde 1983. Foi a primeira vez que pedi licença da casa, exatamente para me dedicar à missão de reeditar o Haroldo. Desconfiei que, naquele ninho de serpentes, estavam armando-me uma peça. Poderia ter recorrido a figuras políticas. Não quis. Paguei para ver – e vi a infâmia se consumar. Não poso de vítima – por isso nunca me queixei. Alegaram, à época, que a Câmara precisava se enquadrar na lei de responsabilidade fiscal. À frente do tribunal insidioso, o impoluto Joaquim Passarinho, então presidente do legislativo mirim. Fantasma, eu? Como redator de debates, eu escrevia as atas das sessões, ou seja, ia para o plenário diariamente. No concurso interno que fiz (e que depois anularam, para justificar as demissões), passei em primeiro lugar. Era eu que orientava os novos redatores. Dias depois da demissão, ao encontrar com o Passarinho, disse-lhe que eu era o fantasma que lhe soprava algumas informações, durante as sessões (comentando erros ou imprecisões no discurso do orador), pois eu sentava bem ao lado de sua bancada. Foram 70 os demitidos, incluindo a grande figura da Isa Cunha, que morreu sem retornar para a Câmara. Alguns já voltaram. Eu próprio cheguei a retornar, por decisão da então juíza Marta Inês. No entanto, a Câmara recorreu, eu perdi prazos da minha ação individual (sou de uma régia displicência em algumas urgências), e agora a decisão, geral, da ação movida pelo sindicato, está no STJ. Estamos ganhando todas, mas a Câmara promove uma chicanagem proverbial. Já se passaram dez anos – outros dez, com certeza, passarão. Ele, Passarinho, seguirá em seu voo de galinha, bicando o que pode. Resumo da ópera do malandro: como eu estava de licença – oficialmente autorizada, diga-se –, aproveitaram a deixa para me incluir no balaio demissionário.

Elias Ribeiro Pinto disse...

PARTE II
Mas não me arrependo de ter dedicado-me, naquele momento, à obra do meu grande amigo Haroldo Maranhão. Queria falar muito mais dele. Itajaí, na verdade, pelo menos duas das obras do Haroldo permanecem em catálogo, aquelas editadas pela Planeta: “Memorial do Fim”, reedição de seu último romance, e uma coletânea de contos, prefaciada pelo Bené, de que não lembro agora o título, pois o livro, aqui na minha biblioteca, está cumprindo sua rotação cabalística. A propósito, fui o editor de “Miguel Miguel”, quando eu estava na Cejup. O Haroldo me deu a novela para que eu a publicasse.
Outra coisa: Benedito Nunes, sem dúvida, além de grande amigo de geração do Haroldo, é seu grande intérprete. Mas jamais disse, com todas as letras, o lugar merecido que a obra do Haroldo deveria ocupar no cenário literário brasileiro. Ele alteou a importância do “Estorvo” buarquiano, o que não fez, na mesma proporção, por exemplo, com “Cabelos no Coração”, alturas narrativas a que nenhum Chico chegou. Não estou desmerecendo o Bené – quem sou eu. As duas páginas dominicais que lhe dediquei no entorno de seus 80 anos é prova de minha cumeeira admiração pelo mestre. Mas ele não está imune a críticas. Prezo demais o Bené e leio-o alumbrado – e por isso mesmo o critico. Sou-lhe discípulo, ainda que mínimo.
Na última Festa Literária Internacional de Paraty, ao topar com o jornalista, escritor e crítico Daniel Piza, do jornal “O Estado de S. Paulo”, disse-lhe considerar Haroldo um romancista com mais recursos (não falo em termos financeiros, claro) que o ótimo Milton Hatoum. Piza disse que Haroldo era um autor paródico, deu de ombros e seguiu “pizando” nos astros distraído. Forçando um tanto a barra, vejo Milton Hatoum como um descendente da linhagem flaubertiana; Haroldo, por sua vez, descende do tronco rabelais-joyceano, além de tributário da língua portuguesa, pátria comum de um Machado, de um Camões, de um Eça.
Guardei para o final (ufa) boas novas. É muito provável que finalmente as entrevistas que fiz com o Haroldo sejam editadas em livro neste 2010 que abre as portas. São pelo menos quatro ou cinco entrevistas de bom tamanho. E já tive conversas para reeditar, com o cuidado devido, um ou dois livros do Haroldo (aliás, quando a Planeta editou-lhe os dois livros acima mencionados, eles me chamaram para fazer a ponte com o autor; fiz as apresentações, mas lamento não ter realmente assumido essa missão). Três livros do autor paraense merecem imediata reedição: “Os Anões”, “Rio de Raivas” e “Cabelos no Coração”. E dá dó deixar de lado uma joia como “O Tetraneto Del-Rei”. E as crônicas, como as reunidas no singelo e maravilhoso “Flauta de Bambu”. Enfim, até o final do ano terei mais informações sobre esse projeto de reedição. Torçamos. E desculpem o tamanho descomunal desse texto, impróprio para blogs e outras inseminações virtuais.
Aquele abraço,
Elias
P.S.: Itajaí, obrigado pela menção. E escrevi isso de bate-pau. Como se dizia nos tempos da Remington: pau na máquina. Desculpem-me as incorreções.

Itajaí disse...

Elias,
Um depoimento e tanto teu comentário.
Registro que estou solidário contigo contra as injustiças que sofreste nessa malfadada Câmara. Não por consolo, mas repito o que me foi dito à ocasião das chicanagens que sofri como gestor público: quem perdeu com tua saída foi a instituição. Os teus algozes medíocres apenas enriqueceram um pouco mais de mediocridade, porque outra riqueza não lhes resta, ainda quando ocupem altos postos na vida pública.
Também concordo com todas as tuas considerações sobre HM, ainda que seja suspeito pela longa amizade dele com minha família. Teve notável influência em minha formação intelectual e dentre os tantos autógrafos com que nos obsequiou, guardo como o mais precioso uma dedicatória em um dicionário (uma das paixões dele), do Aurélio Buarque de Hollanda Ferreira, ainda nos tempos em que "O Aurélio" não existia: "Para o Itajaí / Com a esperança de que nunca deixe de estudar/ O seu Haroldo/ 18.10.70. Eu tinha então 11 anos.
Tenho procurado honrar o conselho recebido de quem dizia ser meu padrinho, sem nunca me ter batizado. Dias antes da fatal cirurgia, HM ligou-me do Rio. Encontrei o anotado da empregada e de imediato retornei a ligação. Chamou, chamou e ninguém atendeu. Repeti nos dias seguintes. Nada. Depois, só a notícia brutal pelos jornais, dizendo-o vitimado por uma infecção hospitalar, aos 77 anos.
Os Anões, Rio de Raivas e Cabelos no Coração são obras imprescindíveis à literatura brasileira. Houaiss soube reconhecer na última a monumentalidade linguística do romance.
Nesses termos, de fato nos deve o professor Benedito Nunes um estudo crítico à altura da obra de HM. Mas, quem sabe, tamanha ausência é justificada pelo tributo à sólida amizade que os unia. Afinal, uma coisa é o amigo criticar na intimidade, outra é faze-lo em impresso. A ausência do texto profundo, arqueológico e cirúrgico, pode ser apenas exemplo de celebração maior de uma amizade. Mas essas são conjecturas, algo românticas é certo.
Agradecido por teu retorno, e à espera de novos textos haroldianos no Diário do Pará,
Abraços.
Itajaí

Carlos Barretto  disse...

Grande Elias. Bom te rever por aqui.
Mas gostei mesmo do último parágrafo da Parte II, onde te desculpas afirmando ter escrito tudo "de bate pau".
Ora pois. Ao menos eu, escrevo tudo por aqui "de bate pau". Por isso é que vivo fazendo merda. Portanto, não se desculpe. O blog é constrangedoramente elástico.
Rsssss

Scylla Lage Neto disse...

Elias e Itajaí, obrigado pelo presente duplo, postagem & comentários!
Ganhei o dia e a semana resgatando Haroldo Maranhão em meus embotados neurônios.
Um Abraço.

Edyr Augusto disse...

Que beleza encontrar possibilidades para o relançamento de Haroldo e sua presença entre os grandes do Brasil, como merece, como projeto.
Abs

Elias Ribeiro Pinto disse...

Itajaí, obrigado pela solidariedade. E verdade, o Haroldo era apaixonado pelos dicionários. Não sei se chegaste a visitá-lo no apartamento da Praia do Flamengo. Foi uma experiência única ter enconcontrado todas aquelas edições repousando na estante. Lembro que o Haroldo esquentou-me um cozido, ou já não lembro que repasto era, no micro-ondas (naquela época, eu nem tinha um). Depois, retirou o lendário Opala adormecido na garagem e embicamos a proa rumo à Bienal do Livro, lá em Jacarepaguá, no Riocentro. Almoçamos ainda no velho centro do Rio e num retsurante no Baixo Leblon - ele se deu ao desfrute de tomar uns chopes, sempre na pressão. Era o ano de 1990, 1991. Histórias. Legal teres este autógrafo. Tenho alguns, aliás, um deles dado num exemplar, o primeiro retirado duma caixa recém-chegada da editora, o Memorial do Fim, lá no ap. do Flamendo. É isso, aquele abraço.
Carlos, é o jeito: pau na máquina. Mas quem sai moído é a gente.
Scylla, não vamos nos dispersar. Estou me referindo aos neurônios.
Abraço a todos,
Elias

Itajaí disse...

Elias, desculpe a demora para responder. Mas é que troquei de máquina e, como sói dizer, esse período adaptativo é prolongado pelos mistérios próprios de qualquer relação.
HM gostava de uma cerveja, que ele dizia ser a bebida preferida. E o que digo me faz lembrar que ele disse isso em um vídeo gravado pelo Luis Arnaldo Campos, que o entrevistou no Rio, especialmente para ser projetado à ocasião em que lhe foi concedida a medalha Francisco Caldeira Castelo Branco. Eu tinha/tenho uma versão em VHS, editada. O Lua tinha me prometido a cópia do copião, mas nunca me mandou. Vou tentar achar o que tenho e transmudar para CD. Se der certo a empreitada, tiro cópia para vocês.
Abraços,
Itajaí

Itajaí disse...

Edyr Augusto,
Nós sabemos, mas e os russos? Será que eles somarão conosco? Esse é o X cabeludo da questão.
Teríamos que levantar essa bola de forma articulada, nos blogues, nos jornais, em determinados espaços, para gerar e girar um movimento que chamasse a quem de direito à responsabilidade para reverter o esquecimento a que está relegada a literatura paraense, passada, atual e futura.
Por aí. Quem quiser liderar, dou meu apoio.
Abs,
Itajai

Elias disse...

Itajaí, fico então na expectativa da cópia. Assististe o documentário que a Cultura dedicou ao Haroldo? Gravado na casa do Bené, eu inclusive participei, ao lado do Max, do Lúcio, do Alonso Rocha e do anfitrião.
Abraço,
Elias

Itajaí disse...

Elias, por alguma razão eu não assisti a esse documentário da Cultura. Vou procurar o filme do Luar. Espero que o tenha trazido para cá.
Abs.
Itajaí