terça-feira, 26 de janeiro de 2010

Carretas: fora! II

Conforme antecipado na postagem Carretas: fora!, o juiz Marco Antônio Castelo Branco decidiu ontem a tutela antecipada pedida pelo Ministério Público Estadual em ação civil pública movida contra a CTBel, a prefeitura de Belém e a Câmara Municipal.

Castelo Branco deferiu o pedido para proibir o trânsito de veículos com peso acima de quatro toneladas na área urbana de Belém, de segunda a sexta-feira, das 6 da manhã às 9 da noite. Da medida, foi excetuado o tráfego de veículos transportadores de oxigênio para hospitais e casas de saúde, operadores de betoneiras e de limpeza pública. O foco, portanto, foi nos caminhões que fazem carga e descarga de mercadorias em lojas, basicamente.

A ação prossegue, com o chamamento dos réus para se defenderem. A decisão é provisória e está sujeita à revisão do Tribunal de Justiça do Estado, se houver recurso de algum dos envolvidos.

Segue a íntegra do despacho:

Trata-se de Ação Civil Pública para condenação em obrigações de fazer, com argüição incidental de inconstitucionalidade de dispositivos de lei municipal com pedido de antecipação de tutela proposta por Ministério Público do Estado do Pará em face do Município de Belém, Câmara Municipal e Companhia de Transportes do Município de Belém – CTBEL, com objetivo de compelir a Companhia de Transporte de Belém a cumprir suas atribuições no sentido de fiscalizar o trânsito de veículos de grande porte e carga que trafegam no centro histórico da cidade de Belém.

Alega o autor que a população vem sofrendo inúmeros problemas ante a omissão da CTBEL, em face da não aplicação de multa e das punições cabíveis para as infrações cometidas pelos condutores de veículos de carga pesada que circulam e estacionam no centro da cidade.

Aduz o autor que em tal situação; a “vida, a incolumidade física, a saúde, o patrimônio e a segurança das pessoas da cidade de Belém, estão sendo constantemente atingidos com a omissão do Poder Público Municipal”.

Aduz o total descumprimento da lei municipal 7.792/96, 7.890/98 e 8.224/03, sendo que a primeira e a última ainda estão eivada de dispositivos inconstitucionais.

Passo a decidir sobre o pedido de antecipação de tutela.

O Judiciário não deve intervir em questões administrativas.

Mas, há questões que em muito extrapolam a mera questão administrativa para se tornar um caso de efetivação do direito. Temos então, não a judicialização da política ou simplesmente ativismo judicial, mas a efetivação da Constituição diante de sua negação completa, diante da omissão absoluta de quem tinha o dever de observá-la. E aqui é o limite. A Constituição da República.

O artigo 22, XI, combinado com o art. 30, I e II, ambos da Carta Magna de 1988, conferem ao município a competência constitucional para legislar acerca das questões de interesse local.

No mesmo diapasão, o Código Nacional de Trânsito, atribui competência ao município para legislar a respeito do trânsito de veículos no seu âmbito territorial, consoante se infere do seu art. 24, I e XVI.

Logo, a competência para legislar a respeito do trânsito é municipal.

Ocorre que o interesse local não se circunscreve ao interesse da autoridade local ou mesmo ao seu desinteresse.

Em outras palavras, o que o legislador está autorizado a fazer é legislar em favor da comunidade, observando sempre as peculiaridades da comunidade.

O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 ao afirmar que todos tem direito a um meio ambiente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, embora não explicite o princípio da precaução, traz consigo a extensão de sua aplicabilidade a partir de qualquer dano em potencial à comunidade.

Não obstante tal consideração, tenho que não se trata sequer de aplicação do princípio da precaução, pois o dano ambiental, o prejuízo ao tráfego de veículos já caótico de Belém, o dano causado à malha viária já precária da cidade, os transtornos causados pela obstrução das vias estreitas do município, o aquecimento da atividade econômica que não vislumbra os custos em desfavor dos munícipes, no caso, a desordem do trânsito em face da ausência de fiscalização e políticas públicas na área, sequer precisam ser provados cientificamente, pois são tão explícitos, que qualquer ser humano com suas atividades sensoriais normais perceberá o caos originado pela entrada de veículos pesados na capital.

Em estudo recente, realizado pelo pesquisador da Universidade de Brasília Valério Medeiros, em relação às cidades brasileiras com mais de 300.000 habitantes, foi analisado de que maneira as cidades condicionam sua mobilidade a partir da identificação de rotas em que é possível o tráfego de veículos.

O pesquisador calculou então o chamado "valor de integração" de cada cidade com o auxílio de um software.

Os critérios utilizados foram a organização e a conexão das ruas.

Comparadas com outras 164 cidades do resto do mundo, as cidades brasileiras foram as piores no contexto mundial.

A cidade de Belém no estudo, foi a 14ª pior cidade brasileira em relação à mobilidade, ficando atrás de cidades como Fortaleza e Brasília em matéria de trânsito organizado.

Não há dúvida que a tendência é este índice aumentar diante de um fato incontestável, a falta de fiscalização da legislação já existente.

A CTBEL, Companhia de Transportes de Belém afirma não ter condições de fiscalizar a legislação a respeito do assunto.

O resultado de uma atuação ineficiente é sempre a ineficácia do resultado pretendido. Logo, qualquer legislação que venha restringir o horário de tráfego de veículos será ineficaz, pois a Companhia de Trânsito, ao invés de investir em educação no trânsito, prefere investir naquilo que produz resultado mais rápido e menos trabalhoso, como as multas infundadas em portas de colégio e a remoção desnecessária de automóveis em locais que a simples multa resolveria o problema.

Entretanto, este é apenas o contexto de nosso trânsito a caminho do caos se ninguém tomar um providência.

Desta forma, o que fica claro é a ausência de política pública neste sentido.

A par disto, o Poder Judiciário tem reconhecido a legalidade de decisões administrativas que visam corrigir tal desordem no trânsito conforme se depreende do excerto abaixo:

“STJ- ADMINISTRATIVO. RECURSO ORDINÁRIO EM MANDADO DE SEGURANÇA. DECRETO MUNICIPAL Nº 29.231/2008. RESTRIÇÃO DE HORÁRIO PARA CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS DE CARGA E SUAS OPERAÇÕES NO ÂMBITO DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO. COMPETÊNCIA DO MUNICÍPIO PARA LEGISLAR SOBRE A CIRCULAÇÃO DE VEÍCULOS NA SUA CIRCUNSCRIÇÃO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE ATENDIDOS. PRECEDENTES DO STF.

1. À luz do art. 22, XI, combinado com o art. 30, I e II, ambos da Carta Magna de 1988, o município ostenta competência constitucional para legislar acerca das questões de interesse local.

2. Em âmbito infraconstitucional, o Código Nacional de Trânsito ruma para o mesmo norte e atribui competência ao município para legislar a respeito do trânsito de veículos no seu âmbito territorial, consoante se infere do seu art. 24, I e XVI.

3. Logo, não se vislumbra que o Decreto nº 29.231, de 24 de abril de 2008, padeça de qualquer ilegalidade, porquanto tão-somente restringiu o horário de circulação de veículos de carga e suas operações nos períodos compreendidos entre 06 horas às 10 horas e das 17 horas às 20 horas, no interior da área delimitada pela orla marítima da cidade do Rio de Janeiro.

4. Também não revela atentatório ao princípio da razoabilidade decreto municipal que restringe o horário de circulação de veículos de carga e suas operações em determinada área da cidade, na qual o trânsito é sabidamente caótico.

5. As informações prestadas pela autoridade coatora dão conta que DE a restrição do tráfego de veículos de carga reduziu em mais de 50% (cinquenta por cento) o número de horas de congestionamento em "nível F" (nível crítico de classificação de fluidez em via pública), bem como diminuiu de 18% (dezoito por cento) para 11% (onze por cento) o número de veículos que enfrentam congestionamento.

6. Os 10 (dez) dias concedidos pelo Decreto nº 29.231/2008 para adaptação às alterações não se mostra exíguo, maxime porque as alterações foram apenas de cunho logístico e o aludido prazo mostra-se razoável para esse mister.
7. Recurso ordinário não provido.

(Recurso em Mandado de Segurança nº 29990/RJ (2009/0136400-6), 1ª Turma do STJ, Rel. Benedito Gonçalves. j. 08.09.2009, unânime, DJe 21.09.2009).

Ao reconhecer neste caso concreto a legalidade do Decreto Municipal, o Judiciário está a afirmar que o município deve agir a fim de ordenar o trânsito e não vê nisto nenhuma ilegalidade.

Quanto a inconstitucionalidade dos dispositivos que limitam o horário de entrada dos veículos pesados na Cidade Belém aos horários de 06:30 às 08:30 h, das 11:30 às 13:30 hs. e das 17:30 às 20:00 hs., tenho que há de se considerar três aspectos.

O primeiro deles é de que a referida lei foi editada há cerca de quatorze anos. Sua eficácia no dia-a-dia dos munícipes sem dúvida que está em cheque diante do crescimento vertiginoso do tráfego em Belém.

Mas só isto não resolve a situação legal, ou seja, a eficácia da lei no tempo.

O segundo diz respeito à total incapacidade da CTBEL em fiscalizar com eficácia os veículos grandes na capital, o que por si só não torna a lei ineficaz.

Entretanto, em terceiro lugar, é necessário que se diga que neste caso concreto se trata de verdadeira aplicação do princípio da proteção insuficiente, ou seja, a lei não pode prevalecer em face do dispositivo previsto na Constituição Federal de 1988, especialmente diante do artigo 225 em que este afirma ser dever do Poder Público a garantia de sadia qualidade de vida.

Em outras palavras, a lei não protege o munícipe. A lei é frágil a ponto de ser descumprida com a maior facilidade, pois de nada adiantaria proibir a circulação de veículos em 3 (três) horários alternados durante o dia pela simples questão de fato de ser impossível sua fiscalização. Não se pode esquecer a frenética atividade econômica que desconhece horários.

A lei não pode ser invocada para desproteger o cidadão, para dar-lhe ares formais de constitucionalidade quando, enfim, seu escopo é tornar o dia-a-dia do cidadão uma violação contínua do mandamento constitucional.

Como garantir a fiscalização de veículos de carga em horários intervalares se a CTBEL não consegue orientar e fiscalizar o trânsito em cruzamento com semáforos onde os ônibus urbanos abusam da infração de avanço de sinal desordenando o trânsito sem que apareça um fiscal para multar-lhes?

Logo, a lei atacada não protege o cidadão, apenas é lei formal distanciada da realidade.

Sendo assim, em total descompasso com o artigo 225 da Constituição Federal de 1988, não tem eficácia e afronta o dispositivo da Carta Magna retrocitado.

Ante o exposto, concedo a antecipação de tutela para declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da parte final do artigo da lei municipal 7.792/96, no que se refere aos horários de circulação de veículos transportadores de cargas com peso superior a 04 (quatro) toneladas, na área urbana de Belém, o parágrafo 2º do artigo 1º da referida lei e o artigo 1º da lei municipal 8.224/03.

Até que nova legislação a respeito do assunto seja editada pelo legislativo municipal e em face da prova inequívoca e verossimilhança da alegação e do inevitável prejuízo irreparável em caso de demora do provimento final determino ainda que fica proibida a entrada e circulação de veículos transportadores de carga com capacidade superior a 04 (quatro) toneladas das 06:00 (seis horas) às 21:00 (vinte e uma horas), de segunda a sexta-feira, a partir do 30º dia, contados da intimação deste despacho, excetuando-se os veículos transportadores de oxigênio para os hospitais e casa de saúde, veículos operadores de betoneiras e de limpeza pública.

Fica ainda proibida a operação e embarque e desembarque de carga de veículo automotor com peso superior a 04 (quatro) toneladas das 06:00 (seis horas) às 21:00 (vinte e uma horas) a partir de 30 dias contados da intimação deste despacho no centro comercial de Belém e áreas adjacentes, excetuando-se, os veículos transportadores de oxigênio para os hospitais e casa de saúde, veículos operadores de betoneiras e de limpeza pública.

Esta decisão se estende à Tv. São Pedro no Centro de Belém.

Determino ainda que a CTBEL e o Município procedam a colocação de placas de sinalização de trânsito, principalmente na entrada da cidade de Belém, bem como a sinalização de asfalto no prazo de 15 (quinze) dias a contar da intimação, fazendo constar nas referidas placas bem como mediante divulgação ampla os horários de entrada de veículos automotores de carga, bem como o horário para operação de embarque e desembarque de carga no Centro Comercial de Belém e áreas adjacentes, sinalizando horizontal e verticalmente essas informações.

A CTBEL e o Município deverão fiscalizar tal decisão sob pena de multa diária individual no valor de R$5.000,00 reais diários a serem cobrados diretamente do Superintendente da CTBEL e do Prefeito Municipal em caso de descumprimento.

Cite-se na forma da lei.

Conste que o presente despacho serve como mandado, nos termos do Provimento 03/2009 da CJRMB TJE/PA, com a redação que lhe deu o Prov. nº 11/2009 daquele órgão correcional, a ser cumprido pelo Oficial de Justiça no endereço da ré, constante da petição inicial.

Intime-se.

Belém, 25 de janeiro de 2010

MARCO ANTONIO LOBO CASTELO BRANCO

Juiz de Direito da 2ª vara da Fazenda Pública de Belém

Um comentário:

Anônimo disse...

Quem aposta que algum desembargador(a) NÃO suspenderá a liminar, em favor do Dudu?

Vai perder dinheiro, mané!