domingo, 17 de janeiro de 2010

Os Caminhos da Liberdade: Ruy Barata

CANÇÃO DO POETA VIGIADO PELA POLÍCIA
"Esta delegacia exerce observação e vigilância sobre elementos simpáticos à revolução cubana, face ã existência de movimento de solidariedade encabeçado por elementos reconhecidamente comunistas".
(Trecho de um relatório enviado ao Secretário de Segurança Pública do Estado do Pará pelo Delegado da Ordem Política e Social).

Por Cuba, por Cuba-Libre,
(quem pode Cuba domar?)
por Fidel, rosa do povo,
(no povo a desabrochar)
o poeta é observado,
o poeta é vigiado
no céu, na terra e no mar.

E olho de todo tipo
rondando o desesperado:
olho fundo do plantão,
olho de guarda embalado,
olho magro do escrivão
( e o gordo do Delegado)
olho que anota e reporta
tosse, tédio, resfriado,
que pode traçar um mapa
de seu dente cariado.

Ah, Fidel, que tanto olho
para um queixo escanhoado!

Inútil fugir do olho
(o olho dorme acordado).
Na rua é reconhecido,
no banheiro - devassado.
O olho interrompe a ceia
com soturno mau-olhado.
O olho espreita, esmiúça,
cama, camisa e calçado.
Amar já não pode mais:
o beijo é fiscalizado.

Ah, Fidel, com tanto olho,
abdicou do pecado!

O olho confina o mundo
do poeta confinado.
Se anda - o olho caminha,
se para - o olho é parado.
Se entra no Bar e senta
o olho fica sentado.
O olho cheira, investiga,
o trago a ser emborcado.
Se for uísque ( o sem Selo)
o olho fica fechado.

Ah, Fidel, com tanto olho
por que só este apagado?

E se o poema vier?
(poema é bicho acanhado!)
Poema se ruboriza
em se vendo observado.
Poema precisa jeito
para ser encurralado.
Poema é criança tola
gosta de ser adulado.
Poema visto, se esconde.
(um custo pra ser achado!)

Ah, Fidel, com tanto olho,
rola o seu estro quebrado!

O poeta já nem sabe
como se suicidar,
vigiado como vive
no céu, na terra e no mar.
Pobre poeta enquadrado!
Pobre poeta marcado!
(por Fidel, rosa do povo,
no povo a desabrochar.)

Ruy Barata (1920-1990) IN:Cadernos do Povo Brasileiro. Poemas para a Liberade. Violão de Rua (vol. III).Rio de Janeiro. Ed. Civilização Brasileira, 1963.

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