sábado, 13 de março de 2010

Países do "terceiro mundo", filmes de primeira



Passado o vendaval Oscar, indicados e premiados, podemos limpar os olhos e acreditar que o cinema está além do tilintar das caixas registradoras. É que já começou, aqui em Bruges, o Cinema Novo Film Festival que, há 27 anos, traz à Bélgica a produção independente que quase nunca chega ao circuitão, pois são filmes da América Latina, África e Ásia. O festival este ano apresenta mais de 60 filmes em quatro mostras simultâneas: a competição, a mostra de filmes de um país em foco (este ano é a Turquia), a mostra Cinema Vivo e a mostra Cinema Geral.

A história do Cinema Novo Festival, em Bruges, começou a partir do interesse pelos países em desenvolvimento entre os belgas dos Flandres (a rica região do norte da Bélgica onde se fala neerlandês e onde vivem 60% dos belgas). A cidade de Bruges, já nos anos 1970, mantinha um conselho de apoio aos então chamados países do terceiro mundo. Era um conselho municipal que se ocupava de projetos de cooperação e desenvolvimento, mas dois conselheiros resolverem ir além: era preciso conhecer a cultura desses países para poder ajudar. Assim, em março de 1984, programaram uma mostra de 4 filmes de 3 continentes. O público foi de 700 pessoas - um relativo sucesso para uma cidade então com cerca de 80 mil habitantes (hoje são quase 120 mil habitantes). E assim a mostra anual, chamada de Festival de Filmes do Terceiro Mundo, foi se firmando até ganhar força para originar uma instituição autônoma, o Terceiro Filme, em 1989. Dois anos depois, inspirados pelo mais importante movimento brasileiro de cinema, a instituição e o festival foram rebatizados de Cinema Novo Film Festival. “É preciso mostrar que os cineastas independentes desses países são tão importantes quanto os dos países que dominam o cenário de exibição de filmes na Europa”, dizem os fundadores do Cinema Novo Film Festival, Georges Micholt e Jan De Clercq.
Mais do que organizar uma mostra, o Cinema Novo Film Festival, instituição sem fins lucrativos, se ocupa também da distribuição alternativa de filmes latino-americanos, asiáticos e africanos. Tanto que o prêmio maior da mostra anual competitiva, 8 mil euros, não vai para o realizador, mas para a distribuidora de filmes que comprar os direitos de exibição do filme vencedor.
O festival também faz um trabalho de formação de platéia com mostra para alunos das escolas da Bélgica. Durante as manhãs e tardes mais de 5 mil estudantes assistem filmes no Kinépolis, o imenso cinema multiplex, que também entra no circuito do festival. A atenção às novas gerações de espectadores é tanta que, desde 1995, o festival tem um juri de adolescentes (entre 16 e 18 anos) que atribui o prêmio Amakourou. Foi esse prêmio de jovens que os filmes brasileiros “Domésticas", de Fernando Meirelles e Nando Olival, ganhou em 2001; e “Jogo Subterrâneo”, de Roberto Gervitz, ganhou em 2006. Neste ano, não há filmes brasileiros na mostra porque os organizadores estão guardando fôlego para a edição 2011, que vai ter o Brasil como país em foco. Por outro lado, dos nove filmes em competição em 2010, há três latino-americanos: "Cinco dias sin Nora", da mexicana Mariana Chenillo, " Ilusiones ópticas", do chileno Cristián Jiménez, e "Norteado", do mexicano Rigoberto Pérezcano. O site do Cinema Novo (em neerlandês, francês e inglês) é bonito vale a pena ser visitado: www.cinemanovo.be

5 comentários:

Carlos Barretto  disse...

Fantástico, Edvan!
Só vc para trazer estas e outras histórias do lado daí.
Abs

Raul Reis  disse...

Excelente, Edvan. Me lembrou aquele frisson que São Paulo virava nas duas semanas da Mostra Internacional de Cinema. Eu tinha amigos (ahem, ahem) que programavam ferias na epoca da Mostra pra ver tods os filmes novos, independentes, marginais, etc. Queria estar ai para ver alguns destes filmes... Aproveita!

Nilson Soares disse...

Caro Edvan,

O preço que nós pagamos pela reserva de mercado que o cinema norte-americano com o Grupo Severiano Ribeiro, seu longa-manus tupiniquim, comete aqui no Brasil é altíssimo.

A perspectiva que esses filmes alterantivos, que nada mais são do que filmes que não usam em sua linguagem aquela estrutura básica do bravura-violência-sexo, podem abrir é inesgotável. Por isso não retifico em nada a postagem.

Os melhores filmes que assisti em minha vida foram dvds de locadoras que ousam em ter em seu acerto esses filmes alternativos, franceses, alemães e italianos. Aliás, um deles é uma produção "holioodiana", mas com direção de Visconti, o inesquecível O Leopardo, apresentado por Charlton Reston.

Abs,

p.s. Bruges é uma da cidade linda, acho que só para o pequenino condado de Les Baux-de-Provence na França

Nilson

Edvan Feitosa Coutinho disse...

Obrigado, Raul e Carlos. Saudades das nossas maratonas de cinema em SP, Raul. Nilson, você tem razão quando fala das perspectivas que linguagens vindas de outras cinematografias conseguem abrir aos nossos olhos. Ontem, sábado, assisti o filme israelense chamado "Lebanon", do diretor Samuel Maoz, e que foi exibido também na abertura deste Cinema Novo Festival. A história é baseada na experiência do próprio diretor que, em 1982, estava à bordo de um tanque do exército israelense no primeiro dia da Guerra do Líbano. O filme mostra os absurdos da guerra do ponto de vista dos quatro jovens soldados dentro do tanque, com muitas imagens através dos aparelhos óticos, e toda aquela atmosfera tensa e claustrofóbica. Não foi à toda que "Lebanon" ganhou o Leão de Ouro, do último Festival de Veneza, e foi o filme de encerramento da Mostra de Cinema de SP em novembro passado.
Bem, não conheço Les Baux-de-Provence, mas já anotei para uma futura visita.

Yúdice Andrade disse...

É assim que conseguimos identificar quem realmente merece o título de país civilizado, de primeiro mundo. Fantástica a iniciativa, pensada em seus mínimos detalhes e que se tornou um grande sucesso.