terça-feira, 13 de abril de 2010

Por um pouco de humanidade

Tenho uma lembrança difusa de infância, que consiste em acordar em plena madrugada, tomar um banho frio, entrar com a minha mãe e irmão num ônibus, atravessar boa parte da cidade e me dirigir a um local que, hoje, sei ser o prédio do SUS - naquela época INPS, antes mesmo do INAMPS - ali da Presidente Vargas com a Manoel Barata. Quando chegamos, já havia uma fila enorme. E apesar de que em Belém amanhece cedo, ainda não havia nenhum traço de sol. Eu, que devia ter uns 5 anos, no máximo, estava incomodado com tudo aquilo, ainda mais porque não entendia nada.
Hoje sei que a fila se destinava a obter senhas para atendimento, no posto da Presidente Vargas com a Oswaldo Cruz. Esse era o sacrifício que minha mãe se impunha, por absoluta falta de opção, para cuidar sozinha de seus dois filhos, na época mais difícil que enfrentamos.
Felizmente, Deus nos deu boa saúde. Creio que sofremos pouco, diante do que poderia acontecer.
O tempo passou, muita coisa mudou e veio a era dos planos de saúde, pelos quais pagamos caro, para receber um atendimento cada vez mais parecido com o descrito acima, ou com a terrível postagem que nossa amiga Waleiska fez em seu blog, que você pode ler clicando no link colocado pelo Barretto na postagem imediatamente anterior a esta.
Tive algumas incursões pelo Pronto Socorro Municipal da 14 de Abril, também. A última foi no dia 5.12.2004, quando uma sucessão de atendimentos meramente antissintomáticos terminou na morte de uma das pessoas mais importantes de minha vida. Provavelmente, nada evitaria esse desfecho, mas ela merecia ao menos um pouco de dignidade em seus instantes finais. No dia, eu também pisei em ovos, a fim de não irritar os sempre estressados servidores do PSM e piorar as coisas para minha tia. E apertei a mão do último médico que a atendera, agradecendo. Arrependi-me mais tarde, quando minha mãe, aos prantos, se queixou do desinteresse dele e do modo como a tratara.
São muitos os fatos que me levaram a ter horror à falta de humanidade dentro daquele hospital. Coisa que nada justifica. Nem as más condições de trabalho, nem os baixos salários, nem a pressão ou o que seja. Toda profissão tem aspectos desagradáveis. Se você não consegue lidar com isso, mude de vida. Mas não desconte em quem não tem nada com isso - os pacientes e seus familiares.
Infelizmente, o PSM é dominado pelas circunstâncias políticas da cidade. Por isso, falta aos responsáveis fazer o mínimo: enquadrar qualquer servidor que falte ao dever de humanidade com os necessitados. Inclusive com processos disciplinares idôneos e eficientes. Mas quem tomará tal iniciativa, sem oferecer nada em troca? Isto nos coloca num impasse, sem horizonte de solução, que custará caro aos usuários do serviço.
Não há justificativa para o menosprezo com um ser humano. E não pode haver tolerância com isso. Precisamos denunciar, nos insurgir e combater essa brutalidade. E mostrando cada cara.

3 comentários:

Andrea Casali disse...

Caro Doutor, estamos falando de crime de prevaricação, improbidades administrativas em todas suas três modalidades!!!! A competencia para a denuncia (mesmo!) é do MP. É preciso, portanto, cobrar deste (q se auto-intitula como o Quarto Poder da República) que exerça seu munus público.É isso q deve ser enquadrado na alça de mira do Flanar, sacou?! Um abraço.

. disse...

É isso aí, Yúdice!
Ficar omisso numa situação dessa é ser cúmplice em atentados à vida!

Ana Miranda disse...

E, infelizmente, esses descasos ocorrem de Norte a Sul.