A necessidade de esperar minha esposa terminar sua aula me fez parar em frente a um televisor, ontem à noite, e assistir pela primeira vez à propaganda eleitoral deste ano. Como me interesso por eleições, a curiosidade me fez sentar no sofá e prestar atenção. Não sei para quê. A campanha de 2010 podia ser a de qualquer outro ano: os discursos, as técnicas de apresentação, os clichês retóricos, está tudo igual. E olha que os famigerados marqueteiros ganham fortunas! Se são mesmo competentes, deduzo que o material a vender é tão ruim, mas tão ruim, que não há quem o venda!
Uma coisa que percebi, e que já vinha notando nas notícias que leio diariamente, é que os candidatos têm abusado da generalidade. Suas promessas são sempre muito abstratas, programáticas. Em nenhum momento se fala em ações concretas. Além de que continuam a utilizar atores para nos convencer de que são pessoas comuns do povo, dando depoimentos espontâneos.
Lula está na campanha, onipresente. Os mais à esquerda o criticam. Os demais se encostam nele o que podem, para mostrar ao eleitor que, se eleitos, darão continuidade a suas ações. Um super-sorridente Serra invocou a sua trajetória política para nos convencer de que ele sempre deu continuidade a todas as boas iniciativas. E Dilma, claro, passa o tempo inteiro pendurada no presidente como um Espírito obsessor reduzido à condição de ovoide. A proposta é tão agressiva que inventaram um slogan baseado na premissa do antes e depois: "primeiro veio ele" (p. ex., o Bolsa Família), "depois veio ela" (a liberdade de um negócio próprio). E nesse jogo de primeiro ele, depois ela, chegamos a primeiro Lula, depois Dilma. Horrível.
A campanha de Dilma, contudo, foi inteligente em explorar o Bolsa Família como sendo um programa que as pessoas usam apenas por um tempo, até ganharem condições de caminhar com as próprias pernas. Alega que mais de dois milhões de beneficiários já se desligaram, por não precisar mais do socorro do governo.
Quando começou a propaganda dos candidatos a deputado federal, aguentei poucos minutos. Não tolero a exploração escancarada da falta de instrução do povo. Um fulano que tenta a reeleição apareceu discursando sobre segurança pública. Fez isso por saber que o tema é uma das maiores iras contra o atual governo. Mas o sem vergonha omite que as polícias civil e militar são estaduais e, portanto, um deputado federal nada tem a ver com elas. Ele sequer legisla a respeito, porque as normas sobre serviço público são, nesse caso, necessariamente estaduais. Então um eleitor que seja analfabeto funcional (e são milhões!) vai achar que, votando num cara desses, a segurança pública melhorará.
Resultado? Levantei-me e fui embora. Para tudo há limite.
Um comentário:
Essa história de "primeiro veio ele, depois veio ela" mostra que o candidato, deverasmente, como se dizia em Sucupira, é o Lula mesmo. Dilma é só um detalhe. Ou melhor, é só laranja. Quem vai beber de novo o mel do poder pela terceira vez, embora a Constituição proiba a re-reeleição, é o Lula.
Isso me lembra, aliás, o samba de Romildo da Portela e Toninho, na voz rascante de Elza Soares:
"Caçador que perde a caça
Muda sempre de caminho...(primeiro eu!)
Primeiro eu, depois o samba
Ela se engana, quando pensa que venceu...(primeiro eu!)
Primeiro eu, depois o samba
Ela se engana, quando pensa que venceu
Meu amor eu dou de graça
Com reserva de domínio
Eu lhe empresto a minha taça
Mas sou eu quem bebe o vinho
Caçador que perde a caça
Muda sempre de caminho...(primeiro eu!)..."
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