quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Combustão espontânea

Imagine alguém dizendo que, se certo candidato for eleito presidente da República, o Brasil passará a ter "problemas demais", porque sofrerá bloqueios comerciais, desabastecimento de bens de consumo (inclusive de produtos hoje banais, como telefones celulares) e defasagem de tecnologia; que haverá tensões sociais, com direito a conflitos armados, além da necessidade de o povo sair às urnas para defender o seu governo, ameaçado de não terminar.
Radical até consigo mesmo.
Se você pensou em Regina Duarte demonizando Lula, na campanha eleitoral de 2002, pode esquecer. O candidato que tanto ameaça a nação se chama Plínio de Arruda Sampaio e o seu acusador é ninguém menos que... Plínio de Arruda Sampaio!
O candidato lançou o Circuito Universitário, um conjunto de debates em universidades (tradicionais redutos esquerdistas), reunindo intelectuais e estudantes, para discutir as questões mais importantes sobre os atuais rumos do país. E ontem ele palestrou para duzentos estudantes da Universidade Federal do Rio de Janeiro e abriu o verbo, admitindo que suas declarações lhe custarão votos (considerando que ele os tenha), mas que não se importa com isso. Aferrado, aos 80 anos, aos mesmos ideais que dizia já ter aos 20, falou sobre medidas radicais na economia, reforma agrária e abortamento.
Tenho simpatia por esses socialistas clássicos. Vejo algo de romântico neles que de modo algum deve ser encarado como menosprezo. É importante, para a sociedade, que continue a haver gente pregando ideais obtusos, para produzir alguma reflexão, o que não seria possível se todos adotassem visões moderadas. Nunca fui radical, mas entendo que os radicais são necessários para instruir os moderados que, no final das contas, são os que fazem o mundo girar - salvo na hipótese de revolução, pois aí são de fato os radicais que comandam.
A despeito dessa simpatia, lamento que o candidato afirme que sua eleição traria "problemas demais" ao Brasil. Como votar em quem afirma isso? Ele poderia dizer que as elites terão problemas demais, ou mesmo que o povo enfrentará dificuldades mas o governo estará ao seu lado... Essas coisas que funcionam na retórica. Mas dizer o que disse não é animador, pois ninguém em são consciência poderia querer o caos e o atraso. O candidato admite até mesmo a ingovernabilidade. Nem como toda a boa vontade dá para engolir essa.
Se o meu candidato não fosse o Nonono e o Plínio fosse uma opção para mim, não seria mais.

7 comentários:

Anônimo disse...

Boa,mandou bem!
Enquanto isso, infelizmente, a juventude que se diz "socialista" está caladinha.
Muda e chapa-branca pelas gordas verbas do grande guia.
Vide Une, que se serve para aplaudir e enaltecer Lula e seus grandes "consiglieris" Renan, Sarney, Zé(sai daí)Dirceu, Jader, Color e por aí vai.
Lamentável.

Anônimo disse...

Tô com você meu candidato é o "00", até porque não dá pra acreditar nesses que estão aí: Serra? Nem a pau. Dilma? Não sou besta, trabalho pra caramba. Marina? Nem em Marte. E o tal Plínio? Nem no Pinel.

Yúdice Andrade disse...

Penso, das 15h09, que a geopolítica mundial pós queda do muro de Berlim arrefeceu os jovens esquerdistas de antigamente. De certo modo, a luta não fazia mais sentido. Continua a haver pobreza, exclusão, concentração de renda, latifúndio e outras mazelas, mas hoje os canais de enfrentamento são outros e, de vez em quando, funcionam.
Funcionam, p. ex., através do Ministério Público Federal, que vem fazendo (notadamente no Pará) um trabalho de valor contra o trabalho escravo e os crimes ambientais, em favor das comunidades tradicionais e povos indígenas, bem como pela moralização da política. Um trabalho que está longe de produzir os resultados esperados, mas que mostra como um outro Brasil é possível, sem tanto discurso, com mais ações concretas e usando os recursos do próprio sistema.

Das 18h42, você foi bem ferino, não? Você sugeriu que Dilma não trabalha? E por que somente o Plínio, idoso, foi associado a doença mental? Que maldade...

Itajaí disse...

Yúdice,
Na tua postagem reconheço três méritos:
1)Resgata a questão de que no molde marxistas-leninista não é possível a teoria da colcha de retalhos, mesmo sendo o capitalismo um sistema que sobrevive de crises;
2)Aponta para alternativas pós Queda do Muro de Berlim, isto é, para experiências outrora criticadas como reformistas pelos revolucionários, mas que tem sido aquelas que, uma vez consolidadas, tem agregado maior valor aos direitos sociais;
3)Expõe que a fulanização da política ainda é um mal infantil entre nós brasileiros. Talvez quando evoluírmos para a valorização de projetos partidárias tenhamos superado a longa, dolorosa e atrasada fase do coronelismo, enxada (ou outra coisa) e voto.
A notícia sobre Plínio de Arruda Sampaio, publicada na grande mídia do Sudeste, embora convenientemente embaralhada na redação, demonstrou claramente duas questòes:
1) O quanto o embate ideológico entre direita e esquerda, entre capitalismo e comunismo, ainda sobrevive e vigora, à vista de que importar-se em desconstruir uma candidatura com chances eleitorais mínimas só pode ser justificada pelo denodo ideológico.
2) Nesse sentido, o candidato foi perfeito ao elencar quais as reações de seus antagonistas e quais seriam as consequências para o país caso um governo socialista, como o dele, fosse eleito para governar o Brasil. Pela medida do que temos assistido, guardada as devidas e necessárias proporções, Plínio não mentiu, nem está senil, antes e sobretudo deu um testemunho de absoluta transparência e lucidez quanto ao que pensa e ao que defende como projeto de uma sociedade socialista.
Grande abraço

Itajaí disse...

E, por fim, discordo de sua afirmação que após a queda do Muro de Berlim a militância jovem da esquerda tenha arrefecido o ânimo. As pulsantes manifestações contra as reuniões do G7, de reação à perda de direitos sociais promovida pelos neoliberais, na vigência da crise econômica européia e os eventos do Fórum Social Mundial testemunham exatamente o contrário.

Anônimo disse...

Então...cadê a Une?

Yúdice Andrade disse...

Plenamente de acordo, Itajaí. Mas isso me instiga enorme curiosidade quanto aos motivos pelos quais a candidatura foi lançada. Dar visibilidade ao partido? Decerto. Criar espaço para eleições futuras, em cargos menos difíceis? É provável. Mas mesmo para isso o discurso acusa um tiro no pé.
Continuo achando que Plínio nos permite um debate que não existiria com menos contundência. Mas não consigo compreender o idealismo que se apresenta como inviável.
Quanto à ressalva que me fazes, admito que o aspecto que mencionaste não me ocorrera. Obrigado pelo alerta.

Das 16h20, sobre a UNE, eu não sei. É só o que posso dizer.