domingo, 12 de dezembro de 2010

Orient Express III



Não existem mais certezas no mundo, me disse outro dia um querido amigo, e cada vez mais concordo com ele. Uma das visitas que tinha planejado em minha volta à Turquia era ir ao templo dos Mevlana's Lovers - uma ordem religiosa islâmica mística, baseada na filosofia sufi, e que tem como fundador Jalalud-Din Mevlevi, ou simplesmente Mevlana. Ele viveu entre 1207 e 1273 na Ásia, entre o que hoje é o Afeganistão e a Turquia. Era filho de um rico pachá, mas abandonou a fortuna para ajudar os pobres. Uma espécie de São Francisco, mas numa versão mulçumana e mais mística ainda. Na prática diária de meditação, Mevlana instituiu a Sema - uma cerimônia onde o asceta dança. Primeiramente, gira o corpo no sentido descendente, para lembrar que tudo o que existe vem de Alá. Depois, gira no sentido ascendente, para manifestar gratidão ao Criador. Os adeptos dessa prática se tornaram mundialmente conhecidos como dervisches rodopiantes - e eles estiveram até mesmo no Brasil, na época do extinto Carlton Dance Festival, lá pelos anos 80.
Os seguidores de Mevlana têm duas sedes: o lindíssimo templo de Istanbul (onde assisti, em 1999 uma dessas cerimônias) e o templo em Konya (centro sul da Turquia, onde se encontra o mausoléu de Mevlana, que é lugar de peregrinação). As cerimônias eram abertas ao público, com a condição de não se aplaudir, já que não se tratava de um espetáculo.
Pois, em nossa viagem à Istanbul no mês passado, soubemos que o templo da ordem está fechado para reformas. Mas, cartazes pela cidade garantiam uma apresentação diária dos dervisches em um antigo hamam (um histórico prédio de banho turco). Ainda perguntei se eram os mesmos integrantes da ordem Mevlana's Lovers e todos diziam que sim. Mas, que nada. Assistimos algo completamente diferente da cerimônia que assisti 11 anos antes. Sem nenhum sentido espiritual, apenas aquela "exibição" de quatro ou cinco dançarinos - com certeza não integrantes da ordem de Mevlana. Em restaurantes de Istanbul, se anunciam e se fazem "espetáculos" semelhantes. A palavra dervische perdeu o sentido. Uma pena. Pensei que os verdadeiros discípulos de Mevlana talvez não tenham tomado providências para evitar isso. Quem sabe registrando o nome da cerimônia e até o termo que os designa. Na internet, achei alguns vídeos da Sema. E torço para que o espírito de Mevlana consiga restaurar o sentido dessa cerimônia em um tempo em que tudo está à venda, esvaziado d'alma.

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