quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

Fica aqui para um anoitecer.
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ANOITECER

É a hora que o sino toca,
mas aqui não há sinos;
há somente buzinas,
sirenes roucas, apitos
aflitos, pungentes, trágicos,
uivando escuro segredo;
desta hora tenho medo.

É a hora em que o pássaro volta,
mas há muito não há pássaros;
só multidões compactas
escorrendo exaustas
como espesso óleo
que impregna o lajeado;
desta hora tenho medo.

É a hora do descanso,
mas o descanso vem tarde,
o corpo não pede sono,
depois de tanto rodar;
pede paz-morte-mergulho
no poço mais ermo e quedo;
desta hora tenho medo.

Hora de delicadeza
gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos,
bicando em mim meu passado,
meu futuro, meu degredo;
desta hora, sim, tenho medo.

Carlos Drummond de Andrade/A Rosa do Povo.


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