domingo, 23 de setembro de 2012

A moda é fulanizar

-- Ei mano!? Te liguei, passei mensagem, deixei recado no Twitter, Orkut, Facebook... Qual é, heim?!!

Era um convite para o show de aclamação de Gaby Amarantos após o resultado do VMB da MTV Brasil.

Há pelo menos duas décadas, a fulanização de atrações populares, marteladas sem dó nem piedade nas plataformas a serviço da mass media; emburrece, aliena, destrói algumas das construções positivas de política cultural anteriores planejadas, executadas e com o devido processo de prestação de contas ao financiador.

Meus parabéns a Gaby.

Meus pêsames ao atual processo de formação de público que consome cultura.

Querem um exemplo?


Brasileiro Profissão Esperança – 1974 Clara Nunes & Paulo Gracindo

Um trabalho inteligentíssimo de Paulo Pontes. Não é preciso dizer nada sobre o espetáculo: é maravilhoso. Prefiro falar mais às quatro forças deste show, diretamente: Gracindo, Clara, Bibi e Paulinho. Uma beleza.
Antonio Maria (1921 – 1964) e Dolores Duran (1930 – 1959) se tivessem sido irmãos não seriam tão parecidos. Os dois gostavam de viver mais de noite que de dia, os dois faziam canções, os dois precisavam de amor para respirar, eram puxados pra gordo e, mesmo na hora da morte, os dois foram atingidos por um só inimigo: o coração. 

A obra que os dois deixaram, hoje espalhada pelos jornais e gravadoras do País, reflete essa indisfarçável identidade. Mas prestando atenção nas coisas que disseram e escreveram e nas músicas que eles fizeram é que a gente descobre a expressão maior dessa semelhança: os dois se refugiavam do absurdo do mundo, que eles revelaram com humor e amargura, na desesperada aventura afetiva. 

O amor era o último reduto dos dois. A montagem do texto de “Brasileiro Profissão Esperança” se apoia no permanente cruzamento dessas duas vidas, de tal forma que ninguém sabe o que é de Antonio Maria e o que é de Dolores. Uma crônica de Maria vira um dado para explicar a existência de Dolores, assim como uma canção de Dolores exprime e sensibilidade de Maria.

Bibi Ferreira/Paulo Pontes, extraído da contra-capa.
Brasileiro Profissão Esperança
Clara Nunes & Paulo Gracindo

Lado 1
Ternura Antiga (J. Ribamar – Dolores Duran)
Ninguém me ama (Fernando Lobo – Antonio Maria)
Valsa de uma cidade (Ismael Neto – Antonio Maria)
Menino grande (Antonio Maria)
Estrada do sol (Antonio C. Jobim – Dolores Duran)
A noite do meu bem (Dolores Duran)
Manhã de carnaval (Luiz Bonfá – Antonio Maria)
Frevo número dois do Recife (Antonio Maria)
Castigo (Dolores Duran)
Fim de caso (Dolores Duran)
Por causa de você (Antonio C. Jobim – Dolores Duran)
Lado 2
Pela rua (J. Ribamar – Dolores Duran)
Canção da volta (Ismael Neto – Antonio Maria)
Suas mãos (Antonio Maria – Pernambuco)
Solidão (Dolores Duran)
Se eu morresse amanhã (Antonio Maria)
Noite de paz (Durando)
Brasileiro Profissão Esperança – 1974
Clara Nunes (1943 – 1983) & Paulo Gracindo (1911 – 1995)
Texto de Paulo Pontes (1940 – 1976)
Direção: de Bibi Ferreira
-- Conhecem esse show?
Foi no Canecão, Rio de Janeiro, no ano de 1974. Estréia da baiana e novata Clara Nunes, cuja carreira foi interrompida precocemente devido a um grosseiro erro médico.

Meus caríssimos leitores. Dá pra comparar com a porcaria que hoje nos oferecem?




















3 comentários:

Erika Morhy disse...

Val, gostei um bocado da sua seleção. Escutei todinha ontem à noite. É uma escuta que dou muito valor de forma um tanto nostálgica, mas falo de uma nostalgia que, digamos, não vivi, ou vivi a partir de "terceiros", vulgo meus pais, já que nasci em 77. O fato é que considero a produção cultural mais plural e, essa pluralidade, mais exposta; afinal, interessa a quem vende. Mas quem vende, também vende porque há público que já consumia antes. Não é simplesmente empurrada goela abaixo, mesmo que a seja algumas vezes.
Com tudo isso, quero também dizer que curto coisas do tipo "Gaby". E danço pra valer com minha filha. Acho que se ela, desde agora, aprender a respeitar essa diversidade - e ela parece também gostar, não só respeitar - vai poder, com mais chances, transferir este respeito para outros âmbitos, que não só a cultura musical; respeitar, por exemplo, as diferentes orientações sexuais.
As regras do jogo mudaram, mas nós também somos protagonistas. Acho importante levar isso em conta.
Abração pra você, caro colega.

Val-André Mutran  disse...

Que bom que você gostou dessa verdadeira "jóia rara", marcada nesse show especialíssimo.
O post teve como objetivo uma reflexão sobre a baixa qualidade da chamada música popular brasileira e alguns espetáculos de gosto duvidoso bancados com dinheiro público, cara Erika.
Os critérios para seleciona-los penso, deveriam obedecer rigorosos critérios técnicos, o que não ocorre muitas vezes.
No mais, acaba que quem "chega lá", não o faz apenas com talento e sim com uma "forcinha" de alguns meios de comunicação de massa; que a meu ver, desequilibram o processo e "enterram" carreiras.
Um beijo pra você e pra filhota e divirtam-se muito.

neto disse...

Em prol da dita diversidade temos que empurrar sim goela abaixo as grandes porcarias, seja ma música , teatro, pintura, etcc. É preciso qualificar essas manifestações