“Uma nuvem
mais pesada de chuva cresceu no céu. É chover. É chover, Cachoeira fica
encharcada e ele encharcado com esta doença do osso, da alma, já no outro
mundo. Os campos da Cachoeira vinham de longe olhar as casa da beira do rio,
com desejo de partir com aquelas águas. Quando
chovia, mesmo verão, quanta chuva grande, os campos ficavam alagados. Eutanázio
gostava um bocado de passear pelos campos. De atravessar os campos para chegar
à casa de seu Cristovão que ficava na
ponta da rua para os lavrados. Às vezes para ver Irene chegava com a roupa
escorrendo, os cabelos pingando. Irene ria... “
Dalcídio Jurandir em: “Chove nos campos de Cachoeira.”
É o tempo “dela”, costuma dizer o
paraense quando o inverno amazônico chega sem dar trela. Nessa estação de chuvas
carregadas e nuvens turvas, qualquer local friozinho onde se ouve ou sente os
respingos “dela” é um bom lugar para se ler um livro. Não digo pelo dito de
Djavan (“Um dia frio, um bom lugar pra ler um livro...”), mas por sentir que o
frescor da chuva é um tempero azeitado para se harmonizar com a leitura, da
mesma forma que se harmonizam prato e vinho - ou vice-versa.
Para esse novo ingrediente neuroquímico,
leitura e chuva, tive a seguinte idéia: toda vez que chover neste inverno abrirei
as páginas de um livro. Não um livro qualquer, mas “Chove nos campos de Cachoeira”,
de Dalcídio Jurandir (reeditado em 2011, pois andou fora de catálogo desde 1976).
Assim que acabar a chuvarada jejuarei da leitura e retornarei ao trabalho ou Blog,
até que nuvens ressurjam em seus 256 tons de cinza e anunciem outra
borrifada.
Nas primeiras chuvas das primeiras
páginas do livro, a premiada obra recita um aguaceiro daqueles (epígrafe acima).
Nas páginas seguintes se percebe os tradicionais burburinhos da tarde e céu claro. Depois volta o aguaceiro. Entre um
pingo mais forte e outro mais fraco tem-se a impressão que Dalcídio escrevia
sentado, acompanhando o ritmo das águas: ou por uma janela entreaberta, ou entre
as gretas da casa de madeira ou ainda ouvindo o tilintar “dela” no telhado. Por
isso a ideia de ler a obra acompanhando
a ambientação do autor.
É fato que
levarei alguns meses nessa valsa. Em ritmo de aconchego com a natureza
dalcidiana, me espicharei numa rede de varanda defronte para a baia, e lerei
como se estivesse em Ponta de Pedras, terra do autor. Pretendo terminar a
leitura quando as chuvas findarem, lá para março ou abril. Como gasto cerca de
três minutos para ler cada página, 735 minutos de chuva seriam suficientes para
ler toda a obra, composta de 245 páginas. Isso equivale a doze horas e 15
minutos de viagem literária pelos campos marajoaras, entre búfalos e cavalos
baios. Nada mal. Vale chuva forte, vale chuvisco, vale alagado. O importante é
djavaniar, ou melhor, com chuva é: dalcidiar.
7 comentários:
Aproveite Roger; nada melhor que uma rede e um bom livro; fico na torcida pelo cronograma da leitura do Dalcídio Jurandir: vai dar certo!
É certo que faz algum tempo, ali pela segunda metade da década de 90. De todo modo, a leitura de "Chove" só me traz lindas lembranças do talento de Dalcídio. Boa sorte com leitura!
Dalcidiar!
Mais um neologismo "Rogeriano" que serei obrigado a importar.
Rss.
PS: o inverno será rigoroso, segundo as previsões.
Marise,
A depender do volume de água e do roteiro, pode ser que eu acabe antes...
Erica, valeu a dica. Foi um presente do meu filho. Ele tem bom gosto literário. Inclusive já se arriscou por aqui pelo Flanar.
Cilão, o ziguezague dos neologismos faz parte de nosso cotidiano. É quando, não raras vezes, trocamos a técnica (a linha reta) pela tática (o ziguezague). Você bem entende o que quero dizer.
Mesmo não havendo chuva, me concentrarei no cheiro e no som de sua anunciação para poder me aproximar dos sentidos que levaram este elogiado autor a descrever paisagens ,e quem sabe costumes, dos quais tive a honra de testemunhar e usufruir.Estou ansioso para ler e poder lapidar minhas sensações. Muito obrigado Roger !!
Walter Pinto
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