segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

Alô, alô interior!




 Alô, alô interior! Alô, alô interior! Atenção, Dona Cleinha! Atenção, Dona Cleinha! Seu filho Durval manda avisar que a esposa Jandirá acabou de parir. É seu primeiro neto e se chama Antonio - Tonico para os mais íntimos...

A mensagem saiu de uma rádio difusora, a primeira forma de se comunicar pelo interior, principalmente da Amazônia. Essa espécie de pombo-correio eletrônico-sonoro era o meio de se matar saudade, anunciar notas fúnebres, felicitações de aniversário, além de outros enunciados do cotidiano da floresta. São mensagens por vezes íntimas e pessoais, que em boa parte, só se tornam públicas pela necessidade da informação. 
Agora me vem esse moço, Ney Conceição, fazer-nos lembrar desses tempos idos de vida interiorana, ao lançar o quarto trabalho de música instrumental, intitulado “Alô, alô interior!”. O título nos remete a esse alumbramento, essa coisa nostálgica. O trabalho é fruto de pesquisa da musicalidade interiorana, daí o título. Percebe-se tal elemento na zabumba, triângulo e sanfona, entre tantos elementos acústicos. Do frevo ao carimbó, a sonoridade desse artista embala o resultado de sua pesquisa: magnífica. As pitadas de jazz enobrecem o disco

Se hoje Ney Conceição é considerado um dos maiores contra-baixistas do país, o produto do experimentalismo só podia ter lançamento no Teatro Experimental Waldemar Henrique, em Belém, sua casa. Acompanhado de músicos locais e nacionais, esse paraense da gema do açaí, por ora assentado no sudeste do País, deixa claro que o título remete a uma forma de se comunicar, de enviar notícias de um mundo geograficamente maior para outro mais distante, através da arte. Nada melhor do que a música, uma metáfora das ondas tropicais dos rádios, para esse trabalho de autopsia da história das difusoras.

O show de lançamento (13/01/2013), em si, foi eletrizante, estonteante. Atingiu a maior amplitude de onda quando tocou a música-título em homenagem ao interiorano Dominguinhos, entubado numa CTI, sob risco de sucumbir. Foi uma espécie de oração ao ritmo do nordeste. Além de Arimatéia, um trumpetista participativo de realengo que tufava a jugular com seus sopros metálicos, havia ainda o baterista Cristiano Galvão e o percussionista Dadadá. As Participações do trio Manari e Sebastião Tapajós fez-nos mostrar quão possível é a integração entre os povos, basta ler a partitura da vida. Mas o maior destaque, afora o Ney, foi o carioca Luiz Otávio, de 23 anos, tecladista. Converteu-se em Stevie Wonder e reluziu. Reluziu no sentido jazzístico, ainda que suas turvas retinas lhe escondam a luz.

A platéia estava extasiada. Eram músicos, artistas de outras áreas, professores ligados à arte, e eu, acompanhado de meu filho, um irrequieto contrabaixista e admirador do Ney. Olivar Barreto contorcia seu pomo; Almirzinho Gabriel se maravilhava; Nego Nelson pedia bis. Marcos Puff, o destemido Ariel e uma turma de saxofonistas invadiram o palco, no final, para regozijar Ney. Uma festa interiorana, dessas com direito a bingo. João Pedro, o filho, dedilhava às escondidas um contrabaixo que eu fingia ver. E eu? Só batia palmas. Era o que me restava. É a única coisa que sei fazer.

... Alô, alô interior! Alô, alô interior! Atenção Dona Cleinha! Atenção Dona Cleinha! Ele manda dizer também: assim que findar o resguardo, e tão logo as chuvas minguarem, ele pega um popopô no rumo da boca e vara por aí. Prepare um caldo de Gurijuba que é pra dar sustância pro Bacuri e também pra ele já ter nas ideias a vida de pescador.

9 comentários:

Scylla Lage Neto disse...

Pai d'égua, Roger!
Me lembrei que antes do Alô alô Interior era transmitida a temida Patrulha da Cidade, com Paulo Ronaldo,
Começava com uma sirene e uma voz avisando: "Atenção quem tem parente fora de casa... Está no ar a Patrulha da Cidade!".
Abs.

Silvina disse...

É uma tristeza, é uma infelicidade, ouvi meu nome na Patrulha da Cidade...
Post pai d'egua!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Pura verdade verdadeira, Cilão. Um pouco antes de fechar o artigo (pauta se eu fosse jornalista de verdade, eheheh), fiz uma breve consulta com alguns amigos interioranos, e lhe digo: isso ainda existem tais difusoras. o You Tube mostra os bastidores de uma delas no Amapá e no arredores da Ilha do Marajó. Fantástico esse reavivamento de nossa memória. Simplesmente fantástico!!! Elejo o Marajó como a capital das radios difusoras.

Edyr Augusto Proença disse...

Muito bom

Marise Rocha Morbach disse...

Roger: bato palmas!Ótimo!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Obrigados Edyr e Marise.

José Maria disse...

Patrulha da Cidade, ainda existe, todo dia. Ao meio dia, na Super Marajoara. :)

Unknown disse...

ola´amigos gostaria muito de interagir com todos sobre esta lenda viva da radiofonia psrsense fço parte ativa deste programa a+ou- 25 anos herdei do meu velho todos os aprendizados e truques para apresent.o Alô.Alô Interior; tenho infinitas historias para conpartilhar com todos. ALVARO PINTO Radio Marajoara AM Belem Pa.

Unknown disse...

AlÔ-Alô interior é o programa que ainda representa muito na memoria de todos que são filhos do Marajó. nos eramos responsáveis por mandar mensagens tanto alegres quanto triste por ex.certa vez noticiei o naufrágio do barco ´correio do arari`com saldo de 98 mortos detalhe; quando voltava para os estúdios da radio esperava-me quase 50 pessoas tentando falar ao vivo que estava bem,e aquilo me tomou de emoção e eu chorei no microfone. depoimento próprio. Alvaro Pinto.