quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

Brahms, melancolia e blues

Johannes Brahms



O termo melancolia tem sido usado nas neurociências como uma característica da depressão, seja na sua forma endógena, somática ou mesmo biológica, e tem a ver com a tristeza de forma direta.
Instintivamente acabamos por relacionar esta sensação a um céu cinzento, bem carregado de nuvens e/ou envolto por névoa, semelhante ao ora presente no dito inverno paraense. Se associarmos uma música triste a pensamentos ligeiramente negativos e repetidos (pensar num ente querido ausente, por exemplo), haverá uma grande possibilidade de surgir uma inquietação dentro de nós, uma agonia, como diz o sábio caboco.
Há poucos anos vivi uma experiência neurosensorial algo melancólica quando fui assistir a uma apresentação da Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz, cujo programa englobava algumas peças do compositor alemão Johannes Brahms.
O mês era dezembro e o inverno já mostrava as suas cinzas garras num dia exatamente como foi a última segunda-feira, aqui em Belém.
Enquanto a sinfônica tocava com maestria a enérgica e sombria Sonata Número 3, fui invadido por uma sensação de paixão e tristeza brutais e meu cérebro foi devastado por uma tempestade de neurotransmissores antagônicos. E tudo catalisado instantaneamente pelo lirismo romântico de Brahms.
Ao sair do da Paz fui obrigado a procurar mais melancolia e li alguma coisa de T. S. Eliot (ou algo parecido – os registros estão confusos na memória), apaziguando assim o meu sistema límbico.
Pois na última segunda, debaixo daquele temporal, sob raios e trovões, agradecendo aos deuses o fato d’eu não estar atravessando a barco a Baía do Marajó, inundei o carro com um poderoso blues de Buddy Guy, “Feels LikeRain”, e voilá, a mesmíssima sensação retornou de forma brutal.
Na hora, tive a certeza de que as mesmas áreas cerebrais e os mesmos neurotransmissores estavam envolvidos, tal a similitude e a intensidade das emoções desencadeadas nas duas ocasiões.
Foi um verdadeiro e curioso déja vu (ou déja senti?).
Lendo ontem um pouco de uma biografia de Brahms, descobri que o mesmo nutriu uma paixão (supostamente não-correspondida) pela esposa do seu mentor Schumann, Clara. Este fato, somado a uma infância difícil, às circunstâncias peculiares de sua vida profissional e a uma provável tendência depressiva, pode ter contribuído para a obra daquele que é o compositor favorito de muitos maestros e musicistas mundo afora.
E equalizando as duas experiências que vivi, cheguei a conclusão simplória de que o nosso inverno amazônico é uma espécie de guardião da melancolia que sub-existe nas profundezas de nossas mentes.
Vida longa ao inverno, ao blues e à música de Brahms!
E haja melancolia...

16 comentários:

Silvina disse...

A despeito do que posso falar do que sinto por Brahms, tenho a dizer que eu adoro o céu cinza. Simplesmente nao me grilo com "ser deprê", nao sinto assim, nao reajo assim. Música. Blues. Chuva. Céu cinza. Saudade. Agonia. Paixão. São combustíveis que alimentam minha existência. Vida longa Scylla.
Kss.

Marise Rocha Morbach disse...

Tim-tim Scylla; como diria Walter Benjamin: a melancolia é revolucionária, pois não nos deixa esquecer!

Lafayette Nunes disse...

Scylla, melancolia-blues!

...mas, mesmo em "Feels Like Rain", não consigo ouvir o velho Buddy que não com a anarquia pulsante de sua guitarra.

Tim-tim, Scylla e Marise.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

O céu revolto de Van Gogh tinha as cores da melancolia, que invernava a sua alma artística. Ele brigava diariamente com esse estado de espírito, um gigante a lhe envenenar a alma. Tanto é que em Saint Remy de Provence ele pintou, em salva, quadros dos sóis e céus da provence, enquanto esteve internado para tratamento psiquiátrico. Alternava cores belíssimas para espantar o mal. A melancolia, meu caro Cilão, que inundou sua córtex, pertence a poucos, como Brahms e Gogh. Queria um pouco dela para escrever, pintar ou musicar um pouco da vida. Valeria a pena. O que tenho é excesso de serotonina, dopaminérgicos, etc.Isso não dá samba, no máximo um tecnomelody.

Scylla Lage Neto disse...

Silvina, you've got the blues!!!
Kss.

Scylla Lage Neto disse...

Tim-tim, Marise!
E viva a revolução da melancolia!

Scylla Lage Neto disse...

Tim-tim, Lafayette!
Vida longa ao Buddy Guy!

Scylla Lage Neto disse...

Roger, eu já acho que a melancolia está no meio de nós.
De todos nós.
Muitos povos antigos desenvolveram beberagens, substâncias estimulantes e alucinógenos justamente para afastar essa sensação estranha que vinha à tona n'alma sempre que a pressão atmosférica caía e o vento norte soprava.
Hoje ingere-se álcool, cafeína, nicotina, cocaína, canabinóides, anfetaminas, diazepínicos, inibidores da recaptação disso ou daquilo, justamente para manter a tal "agonia" num grau tolerável.
E vejo sim muita melancolia nos seus ótimos nanocontos.
Muita!

Erika Morhy disse...

Muito bacana suas associações, "Cilão" (com a licensa poética do colega Roger, que achei muito terna). Aliás, os homens em Buenos Aires têm o costume de também se cumprimentarem com beijo no rosto. Só um. Mas acho tão lindo... Bem, voltando a questão inicia, suas associações (ou sinapses), me veio ocorreu que esse coquetel de emoções, repugnante para alguns, localizado no coração, para outros tantos, pode ser altamente produtivo, criativo, como sugeriu o doutor Roger (mais uma vez ele; bingo!). Eu, por exemplo, já dou boas vindas a ela. Descobri que, se ela não me deixa esquecer, Marise, querida, ela pode me fazer lembrar. E criar. Escrever. E isso me faz bem. Um brinde e vida longa à melancolia e sua anarco-revolução!

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Erika, a licença poética está concedida, desde que "usted" retire o "doutor" desta POSTAGEM, rsrsrsrs.

Scylla Lage Neto disse...

Erika, adoro o termo Cilão, pois tal era o apelido do meu avô, pai do Cilinha (meu pai) e avô do Cila Neto (eu).
Quanto ao beijo no rosto como forma masculina de comprimento, eu acho tri-legal e a pratico com um punhado de amigos do coração. Só não consigo adotar para todos os homens, pois julgo que a diferenciação se faz necessária.
Em relação à melancolia, você a definiu bem: é o combustível de zilhares de artistas, de profissionais das diversas áreas de atividades e também o nosso, dos cidadãos comuns e sonhadores.
Melancolia sim, monotonia não!!!

Scylla Lage Neto disse...

Roger, obrigado pela intervenção.
É proibido o uso da palavra doutor no blog!
Rss.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Scylla, você me deu um "traço", mesmo. O ultimo nanoconto, "a vida vale um conto", foi montado sobre a mais invernal melancolia.

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Scylla, acho Cilão bacana...

Erika Morhy disse...

Gente, que responsabilidade carregar o apelido (tantas vezes mais simbólico que o próprio nome, em alguns casos)do avô! Assim como o nome em si, acho que o apelido também transfere à critura uma carga de simbolismo grande. Muita força pra você, colega! Pra alguns, uma carga doce, suave, prazeiteira. Pra outros, bem dolorosa. Bem, espero que aproveites.
E obrigada, Roger, pela generosidade. Mas agora corres o risco de me ver te chamando mais vezes de "doutor", só pra te aperriar hehehe Por isso o Carlinho faz logo de conta que nem lê o "doutor", porque já sabe que é "bandalheira". Não leve assim tão a sério, querido. Isso que eu tento dizer, verborrágicamente.
"é proibido proibir / é proibido proibir / fora do tom / sim melodia".


Scylla Lage Neto disse...

Érika e Roger, está oficialmente adotado o codinome Cilão.
E o uso da palavra doutor está liberado somente para a Érika.
Rss.