Do corpo
desse meu irmão que já se vai
Revejo nessa hora tudo o que ocorreu
Memória não morrerá
Fernado Brant, em Sentinela (parceria com Milton Nascimento)
Revejo nessa hora tudo o que ocorreu
Memória não morrerá
Fernado Brant, em Sentinela (parceria com Milton Nascimento)
Já não sonho, hoje faço, com meu
braço, meu viver. A
mensagem do Mario Rocha e João Pinheiro, velhos amigos, e Sizenando Starling, cirurgião
e amigo belorizontino, alertavam-me que Fernando Brant, um dos fundadores do
Clube da Esquina, acabara de falecer após submeter-se ao segundo transplante de
fígado.
Eles
sabem de minha admiração por Brant, por isso me alvejaram. Então corri para
minha estante na busca de Casa aberta
(2011), adquirido na feira pan-amazonica do livro. Abri numa página qualquer: “Um
punhal nos rasga o fundo no peito quando um amigo desse quilate é obrigado a
nos deixar”. Percebe-se que a condoída frase descreve a partida do amigo Veveco,
da musica “Veveco, Panelas e Canelas”, parceria com Milton Nascimento, entoada
na voz de Beto Guedes. Tavinho das Panelas e Chico da Canelas eram outros dois
amigos homenageados. Brant guardava os amigos dentro do peito e nas entrelinhas
de suas obras. E nós o guardamos nas lembranças dos tempos das batidas de violão
pelas esquinas da Belém dos anos oitenta.
Neste 12 de junho,
Veveco, vestido de branco, recepcionou Brant no andar de cima. Ele agora se
senta ao lado de Vinicius, Tom Jobim e tantos outros compositores de nossa
esplendorosa MPB. Só que Brant carrega com sua trupe a insígnia do Clube da
Esquina, movimento musical surgido nos arredores de Belo Horizonte,
paralelamente à Bossa Nova, no contraponto da Jovem Guarda e Tropicalismo. O som dos “mineirin” se fundia com as inovações da
Bossa Nova e continha elementos do jazz, rock – principalmente os Beatles– e pitadas da música
folclórica dos negros mineiros.
Aconteceu
que as letras enternecedoras do Clube da Esquina falavam de amizades, infância
de rua, juventude e as ladeiras das alterosas. Brant foi o principal letrista
desta esquina repleta Wagneres, Miltons, Lôs, Betos, Toninhos e Flávios, que se rendiam à sua
poesia.
“Casa
Aberta”, o livro que me chamou atenção logo na capa, é fruto das crônicas do
jornal Estado de Minas e mostra a
face literária de Brant, como relendo Sêneca diante de um copo de cerveja, no
Leblon. Depois não despista quando fala de suas inspirações: Cecilia, Bandeira,
Cabral, Lorca e Pessoa. Mas é em Drummond que ele se farta. Tavinho Moura foi outro
parceiro em Fogueira do Divino, musical
que fala de nossa história e de nossas belezas: a vida é um rio de sangue, óvulos e sêmen que vai dar no mar que pode
ser um povo, uma nação, uma cultura. Finaliza: Montani semper liberi, ou seja,
Minas: os montanheses serão sempre livres, referindo-se ao Brasil das
montanhas, onde fervia o ouro no século XVIII e a escassez de liberdade. O livro é para se ler comendo pão de queijo.
Mas
a música é o expoente maior de Brant. Fez letras com as cores de seu país, sem
deixar de ser universal, como em Travessia
e Coração de estudante. Presenteava-as a Milton como se fosse um singelo
aperto de mão numa manhã de domingo pelas ruas de Santa Teresa, onde nasceu o
Clube da Esquina.
Brant
fez a travessia na certeza que amigo é coisa para se guardar debaixo de sete chaves,
nos moldes da capa de Casa aberta. No
seu túmulo estaria epigrafado: toma conta
da amizade.
2 comentários:
Isso aí Normando!! Como diria o grande Frasista contemporâneo, Onça de Ajuruteua: " Roger som doido"👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
Caro Rocha Neto, muito bom ter sua visita por aqui. Foi um comentário muito prestigioso de sua parte. Volte sempre.
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