Apenas três fotos eram coloridas, de um total de mais de cem imagens expostas naquela sala 21, do Centro Cultural Borges, em Buenos Aires. Com jeito de amadoras como as minhas, essas três fotos retratavam ele mesmo, o autor das demais: Alberto Díaz Guitiérrez, assumido Korda por vontade própria. Ali estava um senhor sem notas de glamour, roupas gastas, chapéu negro, barba grisalha. Cantava na companhia de um igual, responsável pelo bandoneon, e dançava tango com uma moça. Não havia público. Era uma rua portenha qualquer. Uma rua gasta, com casas gastas. O cubano nascido em 14 de setembro de 1928 faleceu em Paris, dia 25 de maio de 2001, e dele eu só sabia ter sido responsável pelo retrato mais reproduzido de um altivo Che Guevara. Um retrato apenas era minha referência, mas era o bastante para que eu me interessasse em conhecer mais sobre ele e sua obra.
Comecei o baile pelo salão me detendo na série Pasión Con La Moda. Belas as fotos das mulheres. Todas desconhecidas pra mim. O único click onde se via sorrisos era o de duas garotas em São Paulo. Nilda Rios de pronto me fez lembrar alguém, possivelmente Marilyn Monroe. Julia En Bicicleta quase me fez ter certeza de que era Evita, em seus tempos de jovem revolucionária, cabelos marcados por um lenço e as pernas cobertas por um saia monocromática. Marujita Cabrera? Nossa, poderia jurar que era a Liz Taylor, em seus tempos de Cleópatra. Não tenho idéia se esse deja vu era propósito do autor.
Pasión por La Revolución é o tema que mais abarca fotografias na exposição “Korda. Pasión e Imagen”. Ora multidões, ora retratos, e uma crucial, a que o autor aponta como a razão de passar a se dedicar exclusivamente a registrar a revolução que pretendia acabar com as desigualdades. A criança de pé não esboçava sorriso, o rosto estava sujo e o olhava com uma expressão que me incomodou, doeu. O vestido também era sujo, sujo e curto. Nos braços a sua bebê, um pedaço de madeira. Foi aquilo que o tomou. E temos um retrato apenas como divisor de águas para aquele homem.
Fidel Castro acolheu Korda e deu a ele oportunidade de registros magistrais ao seu lado. De campesinos, de viagens e de reuniões com milicianos, com autoridades do mundo inteiro, com intelectuais e escritores afins à revolução. Neruda, Sarte, Gabo, Mao, Simone de Beauvoir, Nikita Kruchev, Raul Castro e, obviamente, Che, que ganhou uma série na exposição: El Che Guevara, pasión pura.
Segui por Ritos Afro-Cubanos, Premios Nobel e Pasión por los Fondos Marinos. Abrasivos.
As três únicas fotos coloridas eram seguidas por uma carta de Diana, filha de Korda. Ela declara seu amor pelo pai e pergunta à Violeta Parra para quem ela escreveu a música Gracias a la Vida, “porque um cubano a levou muito a sério”.
De onde saiu o apelido Korda? Do sobrenome dos irmãos Alexander e Zoltan Korda, que tinham seus filmes exibidos em Cuba nos anos 50. Além do mais, é bastante parecido a Kodak, que foi a marca por excelência de produtos fotográficos por muitos anos. Alberto conhecia o suficiente de marketing e publicidade para assim justificar seu nome artístico.
E tudo a partir de uma foto, de um retrato apenas. Gracias a la vida.
29/08/2015 - Uma correção: logo que publiquei este texto, tinha usado o nome acordeon para identificar o instrumento que tocava o senhor acompanhando o canto de Korda; mas um leitor argentino me alertou que no tango nunca se usa acordeón - que tem as teclas de piano como um dos seus diferenciais do bandoneón, este sim utilizado no tango e que tem uma espécie de botões no lugar das teclas. Muito legal tentar expressar em forma textual minhas percepções e poder interagir com leitores generosos. Sigo na aprendizagem.
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