domingo, 27 de setembro de 2015

O sedentarismo revolucionário

"O presente se assusta com o futuro e desdenha o passado"

Ao pegado de meu quarto, vejo, vez por outra, meu vizinho se revezando entre as guitarradas do rock e rabiscadas em folhas de papel. Quando me repassa alguma de suas criações, eu roo as unhas na busca incessante de interpretar toda essa contextualização. Desta feita, com o leito ungueal em carne viva, compartilho essa-umazinha que sai do quintal de seus sentimentos e chega à tela de vocês por meio desse delivery tecnológico chamado internet, componente fogoso do tal sedentarismo revolucionário.

Segue, João Pedro (*). A verve é toda sua:

"O indivíduo nômade que descobriu o sedentarismo teve a mesma perspicácia do inventor do telefone. A distância temporal entre esses homens é apenas detalhe, como o grão de açúcar que cai - a mais - no café ainda desalmado. A única diferença entre esses cérebros é justamente o que, na redondeza de sua visão, a natureza proporcionou para a sua descoberta.
Fixar-se em um pedaço de terra e ali aplicar a agricultura foi a revolução tecnológica mais avançada que o ser humano conseguiu descobrir naquele período. O mesmo vale para o telefone, para a pólvora, para o televisor e para a ciência em geral. Somos todos filhos do nosso tempo e netos de nossa memória.
O então sedentário é o mais novo revolucionário. E daquela situação certamente não esperou que o mundo fosse capaz de ir além. Não imaginou a comunicação pelo telefone. Cavaleiros medievais não imaginaram máquinas com a força de duzentos de seu cavalo mais forte.
Assustamo-nos com cada nova peripécia da tecnologia; não imaginamos que tal coisa fosse um dia possível. O presente se assusta com o futuro e desdenha o passado. Se não somos capazes de adivinhar a próxima descoberta, somos altamente capazes de subjugar o antigo pela coerção mais ignorante que a tecnologia não foi capaz e ofuscar: a que somos o estágio mais avançado da humanidade. Daqui não há pra onde ir, pensam os otimistas. Otimismo semelhante ao sedentário revolucionário.
Somos aquela pedra colecionável em alguma sala de estar, que não serviu para embelezar a praia (pois haviam milhões de outras) e por isso fora retirada de lá. Somos um grão de areia na praia da História (sim, com “h” maiúsculo. Mais respeito com essa sábia senhora).

Se continuarmos a desdenhar o passado - a memória e a História -, quem fará o papel de mãe das causas humanas? Aquela que, quando o filho erra está ali para sentar, por no colo, conversar, apontar os erros e cobrar os acertos na próxima oportunidade? Caminhamos para enjaular a História e suas ciências-irmãs no calabouço de algum castelo, como algum profeta herege. A ditadura do imediatismo pagará o preço por dar liberdade à História apenas quando o primeiro visitante entrar no museu: se arrependerá no dia em que amanhecer sem História."

* João Pedro Normando é estudante de História da UFPA.

3 comentários:

Abel Sidney disse...

João Pedro, o menino que ousou escrever ficção e o fez, sem reservas, agora se lança a brincar de ensaísta, sem medo nenhum!

Aonde vai parar essa sua intrepidez?!

Não vai parar. Ele segue devagar e vai tecendo, robustamente, o seu currículo, que é parte do roteiro de sua jornada.

Siga firme aí, João Pedro!!

Valéria Normando disse...

Quão sabedoria há dentro de Pedro...
Suas revelações dão sempre surpreendentes...
Não há como a boca não entreabrir e a lágrima cair...

Geraldo Roger Normando Jr disse...

Sim Abel. Ele segue tecendo robustamente toda essa ideia. Obrigado, mais uma vez.