Depois do
mar do Oiapoque avista-se o do Caribe...
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Pra onde pensa que vai?
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Caiena!
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Qual tua idade?
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Dezessete.
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Não, não. Pode chispar daí se não tiver o dinheiro da passagem.
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O Claude Buchert está me esperando. Vai acertar tudo quando aportarmos.
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Descreio. Não conheço ninguém com esse nome. Mais: os franceses estão restringindo a
entrada de estrangeiros pelo Atlântico; ainda: você é de menor!
O diálogo entre Corumbá e o menino aconteceu em 1987, no
porto do Oiapoque, onde começa o Brasil. O pequeno, desacanhado, só queria
atravessar a fronteira na busca do sonho de todo artista e não poderia temer o
tatuado marinheiro musculoso e bafento.
Quando o menino conheceu Claude, francês de Tolouse,
tempos antes em Macapá, ganhou a promessa de montar, em Caiena, uma banda que
mostrasse a riqueza do ritmo amazônico. Tudo porque Claude, promotor musical, avistou
certa vez o tal moleque multi-instrumentista num recanto tucuju e ficou
deslumbrado com seu talento.
O marinheiro não permitiu o embarque.
Noite adentro, mar rosnando, Corumbá descobre o
moleque encafuado entre outros passageiros, só com a roupa do corpo. Corumbá
puxou-o pela gola da camisa para jogá-lo ao mar. O menino aponta para o piso do
barco onde há uma fresta por onde mina água. Lá estava fincado o pé direito
dele contendo o vazamento, pois a calafetagem havia descolado em plena
travessia. Corumbá se viu em apuros e todos apelaram. Ele cedeu. A viagem toda
foi o garoto jogando de volta, com uma cumbuca, a água que entrava pela falha.
Do caribe o menino só conhecia histórias do pai
músico, que ligava o radinho de pilha para ouvir os ritmos, em ondas
tropicais. Mas o menino queria mesmo era atravessar as ondas do rádio, beber da
fonte e saber se a velha promessa de Claude ainda estaria no ar... ou ficaria
no mar.
A monotonia da viagem foi vencida pelo marmulhar das
ondas batendo no casquinho, cujo motor parecia falhar a cada estrondo na
lateral. Não havia um trisco de horizonte; a noite era só breu e o céu
sustentava estrelas e o sonho do pequeno. Foi-se
construindo a esperança a cada hora, mas vez por outra era carcomida pelo
medo de emborcar e todos virarem tira-gosto de tubarão.
Ele dizia que sua alma de músico era um rio
estagnado, pois nenhum vento enluava a vela de seus sonhos. Por isso estava
ali, caolho da vida com a voz trancafiada no amanhecer vindouro. Pelas esquinas
de sua cidade vivia à deriva e sob ilusão de acordes e harmonias nas cantorias
regadas a incertezas. Sentia-se irmão das coisas sem adjetivos. O próprio nome
desafinava entre o sonambulismo de atravessar a fronteira e a esperança de
encontrar Claude.
Relembra com exatidão a chegada, após fuga a braçadas
até a praia de Montjoly - sem esquecer que o débito da passagem ficou
“dependurado”, salvaguardado pelo pé do moleque. Por fim, a experiência jamais
lhe saiu da memória e a travessia o assombrou por mais de três anos, até o
retorno definitivo pelo mesmo caminho - coisa de memória, antes que a
modernidade delete.
Na mochila da volta trouxe não só o culto à língua de
Baudelaire, mas a tessitura caribenha transfigurada em zankerada.
Conta ainda que na volta reencontrou o velho
marinheiro e fez questão de pagar uma passagem a mais e ainda resistir ao
troco. Dívida saldada, Corumbá e o menino Fineias Nelluty se tornaram amigos.
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Blog de Rocha/Elton Tavares |
Vinte
anos após aquele diálogo foi iniciada a construção de uma ponte estaiada na
fronteira entre as duas nações, mas ainda se aguarda por histórias de comunhão
e progresso, que não devem afogar fecundos relatos de travessias pelo mar da
história. Ou como diria na canção "A ponte" de Zé Miguel e
Jeresier: Mais c`est bien plus qu`um pont une autre vision..
3 comentários:
É, meu caro, travessias...
"Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia"
Guimarães Rosa, em: "Grande sertão:veredas".
Estou ouvindo neste exato momento Bacabeiras, música instrumental deste menino criativo do Amapá, o Fineias Nelluty, tão bem retratado por você, Roger!
https://www.youtube.com/watch?v=CZsagXGAJ30
Além de paidégua (popular, dançante e envolvente) o cara atravessa e acontece em muitas praias.
Bom conhecer o Fineias! :)
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