A gente quando
escreve faz com agulha e linha na mão, tal a rendeira, tal cirurgião de antigamente.
Também a gente puxa o mundo para dentro de si e põe no colo, mas o que sai não passa de
calango torrado.
Uma prova disso vejo no amigo Corisco, ao dizer que poesia não serve pra nada. É quando ele se senta no chão, a Manuel
de Barros, e sapeca versos fortes, que dão saltos mortais e parecem sucumbir logo ali na
esquina. Mente que nem sente, mas ele se escora no Pessoa, e diz: poeta é
fingidor. Ele se finge de morto pra comer o cupuaçu do coveiro, pois logo que é
tirado do pé é azedo que nem abóbora com elixir paregórico ao leite de
magnésio.
Aí certo dia
fui em busca de inspiração para escrever com a linha na mão estas mal traçadas letras. Dei uma de Marcel Proust e vazei pelas ruas de Paris, ou melhor, pelas beirada da Pariquis, e fui bater na Benjamin.
Não para me encontrar com Paulo André, tampouco Clovis ou Antônio Maria, no
esfumaçado Cosa Nostra. Parei antes: Moquén. Uns dez metros aquém.
Soube que o
Paulo Cal, o Tito e o Elias Pinto andam por lá, degustando o moqueado do Moquén. Deve
ser bom, pois esta trinca não costuma dar bote errado.
Sentei e vi o
Chef na minha direção, afinal era o primeiro a chegar. Fui de Tambaqui. Deu
liga. Ele falou dos sonhos, dos temperos, da sua nova vida acadêmica e de suas
viagens gastroenteroestrelares. O tambaqui harmonizava com o papo do chef. As
paredes, mais um tanto-mais. O homem era de alto quilate e Surucuá teria
passado por ali para dar cor àquela alma e àquela parede printada por um
cortesão da mais nobre arte.
Falamos de nosso
passado nos arredores do Tucunduba. Sim, pois somos contemporâneos de faculdade. Falamos daquele rio que singra nosso tempo estudantil,
feito bisturi que corta a carne do nosso passado incontornável, de lá donde o
Guamá fez a curva até largo de Santa Luzia, convivendo nos porões da Santa Casa.
Tudo passou feito faísca queimando, sem dó, o glicogênio de outrora que nos amaldiçoa agora.
Sobremesa? Não,
água. Não esquece que minhas coronárias já guardam algumas placas tectônicas de
cálcio insalubre e a qualquer momento posso bater o cacau. E o meu colesterol mais lembra que a vida é breve. Ainda bem
que a arte seja longa, diria nosso Hipócrates.
Logo depois o Moquén inchou. Mas eu já tinha de partir. Antes chegou o Luiz e passamos a rir sem direito à preposição, verbo e educação.
Tomara que a vida continue nos dando ocasião para o riso solto, pois, ao escrever, finjo-me de ladrão
e escapo de encruzilhadas e do tédio, e passo a roubar fingimento de escritor para ver se a
vida me desabrevia. Afinal, estou aqui pra lamber palavras e o tempero quem
vai dar aos textos é a poesia nossa de cada dia, com direito a um Pinot Noir e um pedaço de
tapioca ao gosto do chef.
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