sexta-feira, 22 de maio de 2020

What ?!?!

Celecindo foi a Londres, em férias com a esposa, cunhado e mais outro casal de amigos em Maio de 2016. Visitaram, logicamente, todos os pontos turísticos usuais: palácios, museus, Tâmisa, London Eye, etc...
No último dia, com alguma sobra de tempo, Celecindo pediu licença aos participantes para expressar o desejo de visitar um lugar fora do roteiro: o distrito do Soho. Era para conhecer um famoso poço d’água localizado na Broad Street. Era só meter tração no tênis e disparar off road. Todos concordaram, desde que explicasse os motivos daquele destino. A explicação ocorreu durante o trajeto.
O ano foi 1854. Londres foi tomada por uma doença de origem desconhecida, que estava matando milhares de bretões, totalizando mais de 23 mil. A praga teve início na Índia e se alastrou muro-além. Só na Rússia mais de um milhão padeceram. Tal pandemia foi a que provocou mais mortos no século XIX. 
Entretanto o médico John Snow (Quem é fã da série Game of Thrones notou a associação com o bastardo Stark) foi destacado a trabalhar no olho do furação, o distrito de Soho. Resolveu mapear os casos, passando de casa em casa para saber onde estavam os mais letais. Lançava os dados em uma planilha para montar o mapa sanitárioa. O Soho de hoje fica entre o Regent Park e o Tâmisa.  Neste levantamento ficou claro que havia um padrão geográfico na disposição dos casos.
Ao chegar em certa casa para entrevistar o único sobrevivente de uma família, o rapaz contou-lhe com muito pesar fato de não ter podido ajudar, pois passava o dia fora, trabalhando em outro distrito, retornando muito tarde da noite somente para dormir. Com este relato deu-se o gatilho e Snow detonou à queima-roupa a teoria mais aceita naquele momento: a de contaminação pelo ar. O que de fato existia era tão somente o mal cheiro dos corpos definhando-se em diarreias, que levava à interpretação distorcida da transmissão pelo ar.
Da teoria partiu para o epicentro do Soho, onde havia uma bomba d’água, e que ali poderia estar a fonte do caos. Os sistemas de distribuição de água era privado e dividido por distritos, mas existiam bombas manuais de uso comunitário, em terrenos públicos. O médico iniciou sua luta para inutilizar a bomba localizada na Broad Street. Não foi nada fácil, pois estariam retirando a única fonte de abastecimento hídrico de uma região pobre, seriamente afetada por uma doença que gerava um odor arrepiante. Por ser douto no assunto convenceu as autoridades a removerem a alavanca que fazia a bomba operar. Com isso, os casos caíram absurdamente e ficou provada a relação da Cólera à veiculação hídrica.
Enfim, cortando pela estação Picadilly, chegou-se ao desejado marco da ciência moderna. Porém, onde deveria estar a bomba esclarecedora, para surpresa, não havia nada, exceto alguns homens trabalhando na calçada. Boquiaberto, perguntou a um dos operários: 
- Não deveria ter uma bomba d’água histórica, aqui?
- Sim, mas tivemos de removê-la. Depois de amanhã colocaremos novamente.
- “What?”. 
O vocativo saiu num jato. Tarde demais... Já estavam de passagem comprada para Amsterdã, com reserva concorrida para o Museu Van Gogh.
Para não perder a viagem, do outro lado da rua tinha um belo prédio onde tinha uma pequena placa em homenagem ao pai da epidemiologia moderna: John Snow. A comitiva ficou satisfeita de estar onde a história da ciência se fez na sua forma mais nobre: a preventiva, que evita milhares de mortes.
            Ao chegar em Amsterdã, mal ajustaram as malas e se direcionaram ao então museu Van Gogh. Tinham curiosidade em ver "Os Girassóis", um dos quadros mais belo da arte impressionista, que estaria ali em temporada. Era um domingo e, depois de cerca de duas horas na fila, incomodados por um chuvisco, consegui-se adentrar e começar a visitação. Eis que, diante da parede, nada havia, exceto um under repair.
- “What?Saíram dali e remarcaram o retorno ao Brasil. Na mala, Celecindo guardou um girassol de plástico comprado aquele mesmo domingo na feira de Keukenhof.

Autores: Jader Vieira Leite, Doutor em engenharia sanitária e ambiental pela Escola Politécnica/USP. 
Roger Normando, médico e professor de Cirurgia Torácica da Universidade Federal do Pará.

Um comentário:

Dudu Neves disse...

O caminho, muitas vezes, é mais importante que o ponto final.