Aquela manhã, em que estávamos programando visitar a Confeitaria Colombo, acordara encoberta, chuviscosa - maneira de dizer, mas manhãs não acordam, manhãs acendem o candeeiro de Deus. Acordamos nós nelas. Então, pela janela, vimos que o céu estava com suas nuvens baixas e caía uma chuvinha miúda, preguiçosa. Será que vai avançar pelo dia? Se a nossa visita ao Rio fosse nosso diário de bordo, por certo o escrivão da nau lavraria assim, a sua primeira lauda: A manhã acordou encoberta e chuviscosa. Convém não abandonar o barco.
Como se o céu estivesse desagradando a aventura de passear pelo centro
da cidade, partindo do Largo da Carioca. Sempre nestes casos invocamos
o céu, tanto faz que chova, como faça sol. Naquele dia, resolvemos esperar até
o chuvisco dar uma trégua, mas só aconteceu no início da tarde. Então partimos, sem olhar celestial.
A confeitaria estava lotada desde a porta - era de se esperar. Sem poder
sentar, optamos por ficar em pé, tomar café em balcão de mármore e apreciar a beleza
inata do lugar, ao sabor de pasteis de nata, para reverenciar Lisboa. Aquele conjunto de decoração é
chamativo, apelativo aos corações luxuosos. São 125 anos de tradição, além de grandes histórias e encontros.
- Moço, o
senhor tem algo para degustar, sem lactose? Perguntou alguém, bem ao lado.
O atendente, agachado por trás do balcão, o mesmo que nos serviu, levantou-se, elevou a
cabeça, fitou o teto e, antes de responder, sem dirigir o rosto para a cliente,
olhou para aquele luxo todo, luzes e espelhamento, de forma compassada. Pelo movimento dos
olhos, parecia ter viajado alhures.
Cada um de nós vê o mundo com os olhos que têm, e os olhos vêem o que
querem. Os olhos fazem a diversidade do mundo e fabricam as maravilhas - ainda
que sejam de pedra -, e as altas proas - ainda que sejam de ilusão. Talvez, ali
naquele metro quadrado, ele estivesse remontando o passado getulista, a remeter-nos
ao Estado Novo, período pruriginoso de nossa plataforma política. Naquele lugar, precisamente no segundo andar, olhando do primeiro pelo teto vazado ao centro, com paredes espelhadas, brilhantes e extremamente
limpas, Getúlio Vargas costumava reunir-se com seu séquito para desfrutar de café
e diversas companhias, de modo a criar ambiente da alta política.
A confeitaria Colombo é um dos mais belos cafés do mundo. Realmente não
tem como contestar sua beleza apoteótica e as diversidades de seus doces. Dá aos cariocas orgulho e história secular; mantém energizada a tradição da
influência europeia em nosso modo de viver.
- Moço, o senhor tem algo para degustar, sem lactose? A jovem senhora insistiu na pergunta. Então o jovem atendente retornou e respondeu, mantendo as costas para a visitante:
- Salada.
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