quarta-feira, 21 de novembro de 2007

Cuidado com "a macaca"!

Na caixinha de comentários (diga-se, MUITO freqüentadas ultimamente no Flanar) da postagem Mais no Panorâmio , nosso articulista Francisco Rocha Junior utiliza de um termo muito comum nestas paragens: “...vcs estão com a macaca!”.
Trata-se de força de expressão muito popular nesta região, que como todos devem saber, pode muito bem ser parafraseada das seguintes maneiras:

Vocês estão impossíveis!
Vocês estão com a corda toda!
Vocês estão possuídos!

Pessoalmente, acredito que no contexto do post original, talvez a última seja a mais adequada (risos).
O que importa na verdade, é que trata-se de expressão amplamente conhecida, que dificilmente poderia ser mal interpretada em cenários comuns do cotidiano, não é verdade?
Enganam-se. E para provar isso vou contar uma história que me aconteceu há cerca de 15 anos atrás.

Estava às voltas com meu primeiro filho, com apenas alguns meses de idade. Sentimos então, a necessidade de contratar uma ajudante para auxiliar no duro cotidiano de cuidados que estes pequenos seres nos impõem, literalmente da noite para o dia.

Contratamos então uma jovem de 16 anos, indicada por Dona Severina, cozinheira de minha sogra, que à primeira vista parecia confiável e amável no trato com a criança. Nada tinha de preocupante em sua atitude. Isolina, como se chamava a menina, fazia o tipo recatada, talvez tímida, de poucas palavras, contudo mostrava algum conhecimento prévio com a troca de fraldas, banhos e vigilância, que era apenas o que exigíamos, tendo em vista que a criança estava em aleitamento natural, dispensando mesmo o preparo de mamadeiras entre outras coisas. Como era indicada por pessoa de confiança que inclusive era sua tia, não nos preocupávamos com outros possíveis riscos que este tipo de contratação, normalmente, afligem os casais recém constituídos. De fato nenhuma evidência contra-indiciava a nova funcionária da família.

Logo na primeira semana, Isolina cumpriu bem seus deveres de ofício e ganhávamos a cada dia mais tranqüilidade, com a enorme ajuda que nos proporcionava.

João, era então um bebê algo inquieto. Dormia pouco e mamava muito, para resumir o cenário. E abria logo um berreiro ao primeiro sinal de fome, ou qualquer outra necessidade. Dizem que é típico do primeiro filho, talvez refletindo muito mais a inexperiência e insegurança dos pais. Não era exatamente uma criança fácil, e exigia muita atenção e cuidados. E nós, muito provavelmente, também não conseguíamos ser fáceis para ele. Daí por que então, vivíamos cansados e mal dormidos. Enfim, nós nos merecíamos. Mas hoje, João é um rapaz de 16 anos, bonito, saudável, inteligente, criativo e amável.

Deixemos então esta suspeitíssima ressalva e voltemos então à narrativa.

Minha companheira querida, descansava tranquilamente em uma rede, estafada do trabalho e da novidade de ter um novo elemento de uma família que até então era só de 2, mas que agora valia por 4. Eu dividia meu tempo entre um programa de televisão e uma olhadinha no João que parecia estar sob intensos cuidados da jovem ajudante. Percebi então, que João estava na verdade chorando bem além do normal. Minutos antes ele já tinha protestado, pois havia feito aquilo que incontáveis vezes ao longo do dia os bebês fazem: xixi e cocô. Estava como sempre irritadinho e reclamava que o limpassem. Fui ao quartinho e ajudei Isolina na troca de fraldas e no asseio básico que fazemos após estes fenômenos tão irritantemente frequentes nesta tenra idade. Mesmo assim, ele continuava a chorar. Coloquei-o então no colo, balancei-o na rede, cantei musiquinhas, balancei o chocalho, fiz palhaçadas, caminhei com ele pela casa. Não tinha acordo! Tudo se mostrava absolutamente inútil. Nada parecia contentar Joãozinho. Havia acabado de mamar e fome não poderia ser. Cansado e frustrado por não ter conseguido me bastar para ele, voltei à sala onde ainda fui duramente questionado pela mãe, preocupada sobre o que exatamente acontecia naquele quarto. Esgotado e vencido implacavelmente, retruquei:

- “Ele está com a macaca!"

Minha adorável companheira então dirigiu-se até o quarto e, após alguns minutos, já dormia a sono solto com Joãozinho em seu colo.

Para mim, esta história acabaria por aqui e não passaria de um mero e enfadonho relato de um pai levado a sua máxima exigência por um pequeno ser, de apenas alguns meses de vida.

Foi então que o impensável aconteceu. No dia seguinte, a jovem ajudante Isolina não apareceu para o trabalho. No lugar dela veio sua tia Severina, algo intrigada, questionar sobre o que exatamente teria ocorrido no dia anterior que havia deixado sua sobrinha tão triste e revoltada.

Nesta altura, absolutamente pasmado, juro que refiz todos os meus atos desde o momento que abri os olhos naquele fatídico dia até o momento em que os fechei, no início da madrugada. Buscava ansiosamente por algo que tivesse feito ou dito, que justificasse tamanha reação. O mesmo acontecia com minha companheira que angustiada, nada conseguia vislumbrar para ao menos fornecer a título desculpas à revoltada tia.

- Mas Dona Severina. Do que exatamente a Isolina se queixou? – perguntávamos ansiosos.

-Disse-me que foi mal tratada, tendo inclusive sido apelidada pelo Sr. , seu Flanar! – afirmava com revolta a indignada tia.

Em pânico, retruquei que nada havia dito para ela.

- Mas ela me disse que o Sr. a chamou de macaca! – respondia Dona Severina.

Foi aí então que caiu a nossa ficha. Mesmo após uma centena de cuidados e explicações pormenorizadas, não conseguimos reaver nossa ajudante, muito embora Dona Severina tenha parecido contentar-se com nossas explicações.

Aí está então, a descrição fidedigna de um verdadeiro acidente de linguagem, ou até mesmo um choque cultural. Quem saberá?

Sim. Antes que vocês perguntem: tanto Severina quanto Isolina eram negras. Faz alguma diferença neste relato?

PS: apesar do relato ser rigorosamente verdadeiro todos os nomes são fictícios.

3 comentários:

Anônimo disse...

Seu Flanar:
Parabéns pela excelente crônica !

Antonio Carlos Monteiro

Yúdice Andrade disse...

Barretto, deliciosa crônica! Quando entendi o final que teria, me danei a rir. Muito boa, nesta manhã cansada e aborrecida. Fez meu dia melhorar substancialmente.
Então os nomes são fictícios? Notei o "Sr. Flanar".

Carlos Barretto  disse...

Obrigado, amigos.
Me esforcei bastante em fazê-la.
Sim, Yúdice.
O Flanar é o único nome de ficção "sambado" nesta história.

Abs